quinta-feira, dezembro 22, 2005

Fluxo de pensamento


Da última visita à biblioteca borgeana do meu avô, em Teresópolis, devolvi os Asimovs, "Solaris" e "Incidente em Antares", que estavam comigo há um tempão, e peguei mais um que nunca pensei em encontrar ali. Aliás, mais um de quem eu nunca tinha ouvido falar antes de entrar para a OE.

- Vamos ver, qual o próximo?

E, do meio de uma coleção da Abril, saltou "O Jogo da Amarelinha", de Julio Cortázar. Ainda é cedo para falar: estou no meio do livro (ou no início, ou no fim, sei lá, os capítulos são todos fora da ordem...) e achando o máximo. O tal gigante argentino é mesmo um gênio. Entendo a Vera quando diz isso. É difícil, sim, inegável; mas, ainda assim, maravilhoso. Os catchúpicos deveriam tentar, e assim reforçar o catchupismo; os maionésicos também deveriam, porque leriam uma obra divisora de águas.

Morelli me odiaria por usar essa expressão chavão.

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Um de meus autores favoritos, no outro extremo da classificação de temperos, é Nick Hornby. Esse cara sabe contar uma história! Conheci o escritor britânico na peça "A Vida É Feita de Som e Fúria", baseada no livro "Alta Fidelidade". O filme homônimo, com John Cusack no papel principal, aliás, é de baixíssima fidelidade ao livro.

Nessa obra, Rob Fleming é dono de uma loja de discos e apaixonado por pop, rock, soul e tudo de bom. Seu gosto musical é extremamente parecido com o meu; tanto é que meu irmão e uns amigos criaram um blog para falar de música, inspirados nos personagens do filme. Uma mania de Rob - e seus funcionários Barry e Dick - é fazer listas de Top 5 Músicas para qualquer situação. O livro conta a vida pessoal do dono da loja, e seu rompimento com a namorada Laura, nesse mundo pop-rock em que eles vivem.

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Top 5 Melhores Músicas de Art-Rock

1) Exit Music (For a Film) - Radiohead (OK Computer)
2) Wheel - Anekdoten (Vemod)
3) The Great Deceiver - King Crimson (Starless and Bible Back)
4) A Whiter Shade of Pale - Procol Harum (A Whiter Shade of Pale)
5) Firth of Fifth - Genesis (Selling England by the Pound)
6) Mother Russia - Renaissance (Turn of the Cards)
7) Nights in White Satin - Moody Blues (Days of Future Passed)
8) In Limine - Finisterre (In Limine)
9) Aqualung - Jethro Tull (Aqualung)
10) Roundabout - Yes (Fragile)

O último é sempre mais difícil, porque exclui todo o resto.

Listas de melhores qualquer coisa varia com o estado de espírito, mas hoje, 2 anos depois de ter compilado essas 10 músicas (no original ainda tinha Top 10 de Pop-Rock, Progressivo Instrumental, Suítes Progressivas, Música Clássica e Música Brasileira), não mudaria nada daí.

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O disco "OK Computer", do Radiohead, não é para qualquer um. Apesar de não ser considerado rock progressivo ao pé da letra, muitas das características progressivas estão presentes na obra-prima dos anos 90: ritmos quebrados, uma bateria torta, nada convencional, solos desconcertantes, teclados mil, e a presença marcante do mellotron, sintetizador analógico bastante usado pelos grupos de rock progressivo.

A banda que se lançou ao sucesso com "Creep", do primeiro disco "Pablo Honey", em que Thom Yorke cantava "I'm a creep, I'm a weirdo, What the hell am I doin' here?", teve coragem de fugir dos estereótipos do brit-pop e fazer um som totalmente anti-convencional, totalmente fora dos padrões comerciais das grandes gravadoras, ainda que mantivesse contrato com a gigante EMI.

A música "Exit Music (for a Film)" começa com um vocal lento, rascante, acompanhado por um violão:

"wake from your sleep
the dry up your tears
today we escape
we escape

pack and get dressed
before your father hears us
before all hell
breaks loose
"

Nesse ponto, entra o mellotron... A melodia ainda é lenta, e aqui os olhos já se enchem de lágrima...

"breathe keep breathing
don't loose your nerves
breathe keep breathing
I can't do this alone
"

A partir daqui começa o crescendo, o violão se intensifica, o sintetizador polifônico ganha tons mais solenes...

"sing us a song a song to keep us warm
there's such a chill
such a chill

you can laugh
a spineless laugh
we hope the rules and wisdom choke you

now we are one in everlasting peace
"

Nesse último verso, Thom Yorke já está no limite da sua corda vocal, acompanhando nas alturas o mellotron... Os pêlos estão arrepiados, as lágrimas caem aos montes...

Para retornar em decrescendo, ao ponto em que começou, na repetição ad infinitum de:

"we hope that you choke that you choke"

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Estrutura não-linear, ritmo torto, com técnica ímpar e magnificência de resultados... Isso aproxima a literatura de Julio Cortázar e a música do Radiohead.

Que homenagem maior - a mim mesmo, por que não? - ler o primeiro com o segundo no aparelho de CD? Uma experiência sinestésica sem equivalentes... com aproximações inexatas, por certo, como ver um belo prato de comida com o perfume do manjericão dançando pela sala; ou sentir na língua a pele amada enquanto o toque e o olfato estimulam-se noutras partes; ou... sensações de prazer multi-sensorial.

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Suzana Herculano-Houzel, professora de NeuroCiências da UFRJ, explica em seu livro "Sexo, Drogas, Rock n' Roll... & Chocolate", através de exemplos vários, o mecanismo cerebral do prazer, e mostra que todas as sensações de prazer extremo, que nos dão um gostoso frio na espinha, ou a expressão americana " butterflies in the belly", têm precisamente a mesma base fisiológica. Seja um orgasmo, seja uma obra de arte, seja uma barra de chocolate, seja um cigarro de maconha... E tudo que dá prazer corre o risco de viciar.

Melhor me viciar em ler um bom livro e escutar uma boa música, portanto.

1 Comments:

At 2:25 PM, Anonymous Anônimo said...

Oi, Flavinho! Valeu pela visita lá no Olhos d´água! Q máximo vc falar do Cortazar, adoro tudo o que esse cara escreve, até tento dar uma copiada às vezes, eheheh. Na oficina de redação q frequento só dá Cortazar.
Bom, aproveito esta minha primeira visita ao "Tente Outra vez" pra deixar um Feliz Natal pra vc e um 2006 maravilhoso!
Beijocas,
Ana.

 

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