Fluxo de pensamento
Da última visita à biblioteca borgeana do meu avô, em Teresópolis, devolvi os Asimovs, "Solaris" e "Incidente em Antares", que estavam comigo há um tempão, e peguei mais um que nunca pensei em encontrar ali. Aliás, mais um de quem eu nunca tinha ouvido falar antes de entrar para a OE.
- Vamos ver, qual o próximo?
E, do meio de uma coleção da Abril, saltou "O Jogo da Amarelinha", de Julio Cortázar. Ainda é cedo para falar: estou no meio do livro (ou no início, ou no fim, sei lá, os capítulos são todos fora da ordem...) e achando o máximo. O tal gigante argentino é mesmo um gênio. Entendo a Vera quando diz isso. É difícil, sim, inegável; mas, ainda assim, maravilhoso. Os catchúpicos deveriam tentar, e assim reforçar o catchupismo; os maionésicos também deveriam, porque leriam uma obra divisora de águas.
Morelli me odiaria por usar essa expressão chavão.
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Um de meus autores favoritos, no outro extremo da classificação de temperos, é Nick Hornby. Esse cara sabe contar uma história! Conheci o escritor britânico na peça "A Vida É Feita de Som e Fúria", baseada no livro "Alta Fidelidade". O filme homônimo, com John Cusack no papel principal, aliás, é de baixíssima fidelidade ao livro.
Nessa obra, Rob Fleming é dono de uma loja de discos e apaixonado por pop, rock, soul e tudo de bom. Seu gosto musical é extremamente parecido com o meu; tanto é que meu irmão e uns amigos criaram um blog para falar de música, inspirados nos personagens do filme. Uma mania de Rob - e seus funcionários Barry e Dick - é fazer listas de Top 5 Músicas para qualquer situação. O livro conta a vida pessoal do dono da loja, e seu rompimento com a namorada Laura, nesse mundo pop-rock em que eles vivem.
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Top 5 Melhores Músicas de Art-Rock
1) Exit Music (For a Film) - Radiohead (OK Computer)
2) Wheel - Anekdoten (Vemod)
3) The Great Deceiver - King Crimson (Starless and Bible Back)
4) A Whiter Shade of Pale - Procol Harum (A Whiter Shade of Pale)
5) Firth of Fifth - Genesis (Selling England by the Pound)
6) Mother Russia - Renaissance (Turn of the Cards)
7) Nights in White Satin - Moody Blues (Days of Future Passed)
8) In Limine - Finisterre (In Limine)
9) Aqualung - Jethro Tull (Aqualung)
10) Roundabout - Yes (Fragile)
O último é sempre mais difícil, porque exclui todo o resto.
Listas de melhores qualquer coisa varia com o estado de espírito, mas hoje, 2 anos depois de ter compilado essas 10 músicas (no original ainda tinha Top 10 de Pop-Rock, Progressivo Instrumental, Suítes Progressivas, Música Clássica e Música Brasileira), não mudaria nada daí.
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O disco "OK Computer", do Radiohead, não é para qualquer um. Apesar de não ser considerado rock progressivo ao pé da letra, muitas das características progressivas estão presentes na obra-prima dos anos 90: ritmos quebrados, uma bateria torta, nada convencional, solos desconcertantes, teclados mil, e a presença marcante do mellotron, sintetizador analógico bastante usado pelos grupos de rock progressivo.
A banda que se lançou ao sucesso com "Creep", do primeiro disco "Pablo Honey", em que Thom Yorke cantava "I'm a creep, I'm a weirdo, What the hell am I doin' here?", teve coragem de fugir dos estereótipos do brit-pop e fazer um som totalmente anti-convencional, totalmente fora dos padrões comerciais das grandes gravadoras, ainda que mantivesse contrato com a gigante EMI.
A música "Exit Music (for a Film)" começa com um vocal lento, rascante, acompanhado por um violão:
"wake from your sleep
the dry up your tears
today we escape
we escape
pack and get dressed
before your father hears us
before all hell
breaks loose"
Nesse ponto, entra o mellotron... A melodia ainda é lenta, e aqui os olhos já se enchem de lágrima...
"breathe keep breathing
don't loose your nerves
breathe keep breathing
I can't do this alone"
A partir daqui começa o crescendo, o violão se intensifica, o sintetizador polifônico ganha tons mais solenes...
"sing us a song a song to keep us warm
there's such a chill
such a chill
you can laugh
a spineless laugh
we hope the rules and wisdom choke you
now we are one in everlasting peace"
Nesse último verso, Thom Yorke já está no limite da sua corda vocal, acompanhando nas alturas o mellotron... Os pêlos estão arrepiados, as lágrimas caem aos montes...
Para retornar em decrescendo, ao ponto em que começou, na repetição ad infinitum de:
"we hope that you choke that you choke"
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Estrutura não-linear, ritmo torto, com técnica ímpar e magnificência de resultados... Isso aproxima a literatura de Julio Cortázar e a música do Radiohead.
Que homenagem maior - a mim mesmo, por que não? - ler o primeiro com o segundo no aparelho de CD? Uma experiência sinestésica sem equivalentes... com aproximações inexatas, por certo, como ver um belo prato de comida com o perfume do manjericão dançando pela sala; ou sentir na língua a pele amada enquanto o toque e o olfato estimulam-se noutras partes; ou... sensações de prazer multi-sensorial.
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Suzana Herculano-Houzel, professora de NeuroCiências da UFRJ, explica em seu livro "Sexo, Drogas, Rock n' Roll... & Chocolate", através de exemplos vários, o mecanismo cerebral do prazer, e mostra que todas as sensações de prazer extremo, que nos dão um gostoso frio na espinha, ou a expressão americana " butterflies in the belly", têm precisamente a mesma base fisiológica. Seja um orgasmo, seja uma obra de arte, seja uma barra de chocolate, seja um cigarro de maconha... E tudo que dá prazer corre o risco de viciar.
Melhor me viciar em ler um bom livro e escutar uma boa música, portanto.
1 Comments:
Oi, Flavinho! Valeu pela visita lá no Olhos d´água! Q máximo vc falar do Cortazar, adoro tudo o que esse cara escreve, até tento dar uma copiada às vezes, eheheh. Na oficina de redação q frequento só dá Cortazar.
Bom, aproveito esta minha primeira visita ao "Tente Outra vez" pra deixar um Feliz Natal pra vc e um 2006 maravilhoso!
Beijocas,
Ana.
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