sábado, abril 08, 2006

To everything there is a season


Tudo ocupado

No closet não tinha mais espaço, no armário da cozinha também não, e tampouco no quarto de empregada. Olhou o baú com as roupas dos meninos: cheio. Sob a pia do banheiro não cabia um só suspiro. O sótão, o porão, tão repletos quanto o estômago depois da feijoada. Lembrou-se do cofre, resgatou a senha dos abismos da memória, e o descobriu igualmente ocupado.

As crianças se multiplicavam atrás de cada porta. Sem ter onde enfiar o corpo do marido, Joana deu o último tiro em sua própria cabeça.

Agora nem no meio da sala tem espaço.

***

Por falta de atenção

Mamãe não me escuta. Ela fala, eu ouço, “meu filho, não faça isso”, “não chegue tarde”, “não fume em casa”. Papai não liga, eu poderia dormir fora e ele não repararia. Do pirralho, nem tomo conhecimento, ele fica no seu canto e não dá o menor trabalho.

Mas mamãe... ah, que saco! O que você quer agora? Ainda que esteja na escola, eu escuto ela falar. Posso ir ao cinema e ela não pára de me importunar.

E não é por falta de atenção. Todo dia eu chego em casa, dou boa noite aos três, fecho o armário e vou dormir. E perdôo mamãe: ela demorou mais para morrer.

***

Quem é você

Mamãe, sou eu, sua filha! Não se lembra de mim, Maria Inês? Mamãe, onde você encontrou essa arma?, abaixa isso, que alguém pode se machucar! Solta, mamãe, que alguém pode pensar que a senhora está ficando maluca de apontar um revólver para sua filha. Não, eu não estou invadindo seu quarto, não quero roubar suas jóias, muito menos o marido. Eu vou contar até três...

As mãos trêmulas baixaram a arma. Mas Dona Beatriz tornou a levantá-la, apontou para sua própria cabeça e não hesitou. Maria Inês tentou evitar, mas o movimento foi muito rápido.

Bam.

O esquecimento se tornara um poço desesperado.