sábado, março 18, 2006

Duas versões


Pesadelo

Dormia à noite, tive um pesadelo:
Num beijo, um corpo adentro se invagina
E presa na garganta a tal toxina
Liberta-se da essência em desmazelo

Disforme, cresce e no útero se instala
Cancro de proporções quase fetais
Logo perde a consciência, perde a fala
Se assume a massa formas infernais

Explode o ventre em forte terremoto
Espirram sangue, vísceras nos cantos
O acaso de sobrevida é remoto

No entanto há sorte e sob os tantos prantos
A vida é protegida do perigo
Mas nasce o monstro - divino castigo

10 de fevereiro de 1999

***

Amor à segunda vista

Um dia juraram amor eterno, mas já fazia tanto tempo que a eternidade talvez tivesse se passado sem que disso eles se dessem conta. No instante em que se reviram, contudo, toda a paixão enterrada na memória aflorou como na primavera. Correram em direção um do outro, abraçaram-se, beijaram-se dez, cem, mil vezes mais intensamente que da primeira vez. Tal a violência do embate de línguas, subitamente ele se reparou perdendo a guerra, invaginado boca adentro. Do corpo inteiro, então, se fez órgão sexual: ele, engolido, envolto em mucosas; ela, acariciada por dentro como jamais imaginara. Desceu, seguindo o caminho da saliva, e procurou onde se instalar. Encontrou o útero.

15 de março de 2006