quinta-feira, abril 13, 2006

Esqueceram de mim


Ou: De como o quixotesco cavaleiro andante Phlavyus de la Tijuca foi tomado, pelos soldados que o deveriam proteger, por um reles invasor, perturbador de donzelas inocentes

Nem a lua, nova por aqueles dias, foi testemunha do ocorrido com o ateu errante àquela hora em que as estrelas já pensavam em ceder o céu para Apolo e sua carruagem solar. Phlavyus saíra de casa às 3 horas da tarde e fora ao Rock in Rio 3 - ou para um campo de batalha contra moinhos e gigantes, que é com o que aquilo mais se parecia - e só então chegava de volta, sem Rocinante, Sancho Pança, ou quem quer deles fizesse o papel, solitário na noite escura.

Depois de um Surto no começo da tarde, precisou de todo o Capital Inicial para acompanhar o Silverchair e os ardidos Red Hot Chili Peppers. O exército, contra o que Phlavyus lutava para tentar enxergar o palco, chegava a 500 mil pessoas, todos com igual objetivo. O milhão de pés levantava tanta poeira que logo, em reagir com o suor, se fazia lama.

Ao fim, pois, não havia estábulo que dispusesse de tantas cavalariças para tal tropel. O rocim já se havia ido, indiferente ao pobre espetáculo apresentado, e solução alguma ao cavaleiro se apresentava senão seguir a pé, pois os pés, ainda que cansados e bolhosos, à extremidade das pernas ainda se encontravam.

- Afastemo-nos um pouco da confusão, e adiante conseguiremos condução. Num lombo de burro, que seja, ou numa nobre carruagem. Disso me asseguro, ou não me chamo Jordy, o Mouro.

Onde Phlavyus perdera a cabeça não se sabe, porquanto confiara no mouro e seguia com esperança de pouco andar e logo achar quem lhe desse carona. Mas se onze quilômetros o separava de casa, por onze quilômetros gastou de seu calçado, dos quais nove, a partir da estalagem de Jordy, inteiramente sozinho. As estrelas que antes vira no horizonte já chegavam ao zênite quando pôde vislumbrar o fim de sua caminhada.

Surgiu um coche, e dele desceu uma jovem donzela. Por que tão longe de seu destino, perguntou-se o solitário errante, o cocheiro, será, cobra tão mais caro para deixá-la em casa? Ela desceu, enfim, olhou para trás e viu Phlavyus. Sentiu-se talvez ameaçada de ver aquela figura maltrapilha e suja se aproximando; tanto foi que se pôs a correr, tomando-o por perturbador de donzelas indefesas. Ainda que não fosse Phlavyus, pelo contrário, protetor de tais frágeis criaturas, aquela em específico não lhe parecera sequer fazer sombra a sua doce Dulcinéia. E não afetou o ritmo de seu andar.

Divisou à frente um soldado, com quem a senhorita se punha a falar.

- O que deseja? - perguntou o soldado a Phlavyus.
- Eu moro aqui.
- Tem certeza?
- Há dezessete anos. Por acaso quereis acordar minha mãe, para que possa vossas perguntas lhas responder?
- Por que, então, estivestes a perseguir aquela frágil donzela?
- Assustou-se ela com meus trajes, enlameados porque estive em batalha contra gigantes, e de lá vim a pé nas últimas três horas. Julgou-me malfeitor, mas não passo, em realidade, de seu vizinho.

E assim se conta a história de Phlavyus, cavaleiro sem cavalo, andante com bolhas nos pés, liberado, pelo soldado que o deveria proteger, para voltar à sua própria casa.

***

Uma hora depois, de banho tomado, vestido de branco, saí para a faculdade. Uma pena que o turno da guarita já tinha mudado. Queria tanto que o segurança me visse arrumado... Eu só ri, mas minha mãe ficou brava e foi falar na administração do condomínio. Nunca mais eu vi o cara por ali.

1 Comments:

At 9:10 PM, Anonymous Anônimo said...

Escute, vc tem certeza que no dia que bateu o carro n sofreu nenhuma pancada mais séria na cabeça?

 

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