domingo, fevereiro 05, 2006

O macabro dos nossos dias


Eu nunca fui muito fã de terror, até descobrir que não é só de Jasons e Krueggers que se faz esse gênero. O medo depende menos de sustos ocasionais e mortes sangrentas previsíveis que de um clima constante de tensão e suspense. Como exemplo das duas vertentes de terror, pode-se citar, respectivamente, "Pânico" (genérico de uma série de filmes semelhantes) e "Iluminado". No primeiro, um grupo de personagens clichê vive em um lugar clichê, acompanha uma série de assassinatos clichê e termina em uma situação clichê. O terror se sustenta nas salpicadas aparições do mascarado. Já no segundo, um homem vai com sua família para tranbalhar como zelador de um hotel isolado. Parte de uma premisa também bastante explorada, mas o desenvolvimento de Stephen King e Stanley Kubrick dão um frio na espinha em crescente, que perdura por toda a duração do filme.

Em literatura, comecei com os livros "Os Melhores Contos de Medo, Horror e Morte", de Flávio Moreira da Costa, e "Contos de Horror do Século XIX", de Alberto Manguel, coletâneas das melhores histórias de terror da literatura internacional. Os brasileiros estão incluídos, principalmente no primeiro, que conta com a presença de Machado de Assis, Inglês de Souza e o próprio Flávio Moreira da Costa.

Tenho hábito de ter sempre comigo um livro. Leio entre os pacientes, quando um falta e outro chega atrasado, em buracos na agenda, ou qualquer tempo que me sobre.

No momento, mora no meu carro a antologia de Alberto Manguel. Ela segue, tanto em título, editora, formatação, o que Ítalo Calvino fez em "Contos Fantásticos do Século XIX". Mas Calvino, para a seleção dos contos que fariam parte da sua coletânea, usou três regras básicas: 1) cada autor participaria com apenas um conto; 2) não entrariam contos de mais de 50 páginas; 3) apresentar somente narrativas completas. Além, é claro, de publicar apenas obras escritas no século XIX, como o próprio título sugere. Pois, dessas, Manguel respeitou tão-somente a primeira, não repetindo autores. Nem mesmo seguiu a lógica do título, incluindo vários textos do século XX. Tem até "A volta do parafuso", de Henry James, novela com suas 120 páginas.

Nada disso, no entanto, diminui a qualidade dessa antologia. A seleção é de altíssima qualidade, contando com Franz Zafka, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Eça de Queiroz, Ambrose Bierce, Robert Louis Stevenson, entre outros craques das letras.

Mas um livro como esse, "Contos de Horror do Século XIX", por melhor que seja, não causa muito boa impressão quando um paciente o encontra com os olhos entre livros de Medicina na estante do consultório. Que médico é esse, meu deus, ele deve pensar, que lê esse tipo de coisa? Ele deve pensar; mas se falasse alto, eu respoderia:

- Você não lê jornal? Pelo menos isso aqui é ficção! Botar fogo em ônibus, seqüestrar e torturar crianças aleatórias, metralhar inocentes na rua, matar pai, mãe e avó por um papelote de cocaína... Sou mais ler H.P. Lovecraft!