Pôr-do-sol de Itapoã
Era um dia atípico de meados do inverno. Uns dizem julho, para outros agosto já chegara, e eram 7h da noite - se é que se podia chamar noite - quando o horizonte se encheu de sangue à despedida do sol.
Inaê estava na praia assistindo ao espetáculo. Fazia isso todo dia, mas não cansava de se maravilhar com a natureza à sua volta. Nascera ali, sua mãe dentro d’água, nem chorou. Aquelas areias a conheceram de dedo na boca, correndo peralta com seus primos. Mancharam-se mais tarde com a sua mocitude. Apresentou-lhes Apoena e aos seus pés entregou-se ao amor. Inaê fazia 15 anos, e seu único pedido fora que Tupã lhe concedesse um longo dia de sol, e que ele se pusesse no crepúsculo mais bonito que já se havia visto. Foi atendida.
A indiazinha não havia saído da praia o dia inteiro, e isso preocupava seus pais. Jequié, o guerreiro, pediu pela filha ao pajé, e ele lhe acalmou: o destino de Inaê estava traçado, não havia o que fazer e nem com que se inquietar.
Nem quando o sol se foi definitivamente Inaê voltou à sua oca. A pele queimava, mas não sentia dor. Pelo contrário, o calor aliviava o espírito com uma sensação comparável apenas com... não, aquilo era melhor que as histórias à beira da fogueira, que as noites ao lado de Apoena, que os chás do pajé em dias de celebração. Era indiscutivelmente a melhor sensação que Inaê já havia sentido em sua vida.
Viu sua pele aos poucos começar a cintilar luz branca. O brilho fugidio se intensificou com faiscas que lhe escapavam dos dedos. A luminosidade já se notava na tribo. Quando chegaram à praia, os Potiguares encontraram Inaê tornada sol em terra. Mal podiam olhá-la, temiam ficar cegos, mas notaram que a pele esturricava. Já não a reconheciam, inchada como um baiacu encurralado, emitindo luz do corpo antes moreno.
A menina, por sua vez, não tinha medo, e aceitava a metamorfose com naturalidade. Parecia conhecer o futuro que o pajé previra. Em nenhum momento sentiu-se mal, desconfortável com a situação. Nem quando os pés desprenderam do chão e se ergueram em direção ao céu. Jequié chorava sem saber o que pensar, mas a filha subia com ar de regozijo no rosto dismorfo. Apoena o abraçava.
Naquela noite nenhum Potiguar dormiu. Toda a tribo se reuniu na praia para, acenando ao céu, se despedirem de Inaê, que, branca e redonda, os observava lá de cima. Mal sabiam que ela voltaria toda noite para lhes velar o sono, depois que o sol, seu amante, se vai.
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