quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Com vocês, o Rei Mídia


O século XX viu a arte se transformar em produto. Mas será que isso é tão moderno assim? Mozart compunha para agradar papas, Michelangelo fazia seu pé de meia pintando afrescos de igrejas, e Shakespeare também tinha o seu mecenas. Afinal, artista também é gente, ou pelo menos parece direitinho: respira igual, come igual, paga as contas no fim do mês igual. Arte é feita para apaixonar, incomodar, se expressar; mas todo o processo demanda tempo e dedicação, estudo e experimentação, e precisa ser bem pago para isso.

Nunca foi novidade que a arte fosse patrocinada, mas o século XX acompanhou a sua banalização. Qualquer borrão é pintura, qualquer palavra é poema, qualquer monte amorfo de lama é escultura. Mudou o artista, ou mudou a expectativa do público frente à obra de arte? Talvez tenha mudado a relação com o patrocinador, passando a dependência o que antes era admiração. Resta a eterna discussão: o que vende, o que dá retorno financeiro ao artista e ao mecenas, é necessariamente uma obra banal? Qualidade empobrece quem pretende viver de arte?

A mais nova arte, sétima, surgiu no final do século XIX, com as geringonças ópticas dos irmãos Lumière. O cinema se popularizou logo depois, fixando residência na costa oeste dos Estados Unidos. Hollywood virou metonímia de cinema, o produtor pela produção; enquanto o resto do mundo se esforçava para ser reconhecido nas telas. Mas o dinheiro levou a revolução industrial para a América, produzindo filmes em série, ao ritmo em que Charlie Chaplin apertava os parafusos em Tempos Modernos.

No início dos anos 70 surge um produtor associado que não tarda a ganhar para si os holofotes. É Jerry Bruckheimer, estreante com o faroeste Assim Nasce um Homem, de 1972. A partir da década de 80, produziu boa parte do lixo sessão-da-tarde que ainda é reprisado nas tevês até hoje, passando por Flashdance, Top Gun e Dias de Trovão. São romances abestalhados, previsíveis, sem a menor vontade de fugir de todos os clichês possíveis e imaginários. Nesse meio, também foi responsável pela série Um tira da pesada, mais lembrada pelas gargalhadas que provoca do que pelo ineditismo do roteiro. Com o modismo de filmes catástrofe, lançou Armaggedon; revisitou patrioticamente a Segunda Guerra em Pearl Harbor; muita ação descerebrada em Con Air, A Lenda do Tesouro Perdido, Bad Boys... E volta a se salvar com a excelente atuação de Johnny Depp em Piratas do Caribe.

Difícil dizer se Bruckheimer vai para onde a moda dita, ou se é ele próprio a ditá-la, tão perto o produtor sempre está dos últimos acontecimentos. Apesar de a maioria de seus filmes ter uma ótima freqüência de público, artisticamente não acrescentam nada.

Em 2000, resolveu procurar um novo caminho. As séries de tevê faturavam rios de dinheiro, os atores recebiam muito por cada episódio, e Bruckheimer não podia deixar de explorar esse potencial. Lançou "CSI - Crime Scene Investigation", sucesso imediato de público e crítica. Já na segunda temporada foi a série com mais indicações ao Emmy. E, já dizia Charles Darwin, dá certo aqulio que é capaz de se reproduzir, logo vieram as versões de CSI em Miami e Nova Iorque, "Without a Trace" e "Close to Home", preenchendo todos o mesmo nicho também ocupado por "Law and Order": o drama policial investigativo que descobre casos impossíveis. Uma espécie de Agatha Christie dos tempos tecnológicos.

O grande diferencial do trabalho de Jerry Bruckheimer no cinema e na tevê, no entanto, é a qualidade. Sim, todos os seriados são basicamente a mesma coisa. E cada um, individualmente, é muito bom. Consegue manter o suspense, a tensão, enquanto destrói um a um, com argumentos lógicos, os prognósticos do espectador. As investigações vão e voltam, mudam de foco, sem jamais enganar o fã. Tudo que um bom escritor de literatura policial precisa saber.

Além disso, os seriados parecem mais abertos a experimentação. Quentin Tarantino, fã assumido de Gil Grissom e sua equipe de peritos da Polícia de Las Vegas, foi convidado para escrever e dirigir um longa metragem, episódio duplo que encerrou a temporada de 2005. A trilha sonora é recheada por bandas alterativas como Radiohead, Sigur Rós, fora a abertura com The Who, uma música diferente para cada versão de "CSI". Comparar com "Take my breath away", ou a música-tema de Flashdance é até covardia.

Curioso a tevê ser o local de experimentar, dar certo e nada mudar no cinema. Difícil esperar que isso mude, já que continua funcionando, apesar de todo seu retrospecto cinematográfico. Mas torcer não custa nada.

1 Comments:

At 1:27 AM, Blogger Unknown said...

Sim, ele é o grande nome atual do maior instrumento de mídia que existe.

Penso até quando as camadas intelectuais irão ignorar a capacidade da televisão de promover cultura e entretenimento.

 

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