O Calvino invisível
Italo Calvino, escritor cubo-italiano, é um dos grandes expoentes da literatura fantástica experimental da segunda metade do século XX. É autor de várias obras primas, como a série de histórias medievais que inclui "O barão sobre as árvores", "O cavaleiro inexistente" e "O visconde partido ao meio". Destes, só não li ainda o último.
Em "As cidades invisíveis", Marco Pólo descreve para Kublai Khan as cidades por que passou em suas viagens pelo oriente. Fossem localidades quaisquer, seria apenas isso; mas Calvino descreve com muita poesia cidades impossíveis que metaforizam vários aspectos da condição humana. Os nomes, sempre femininos, também ajudam a humanizar e sexualizar a geografia (ou bem diria, anatomia) local.
Em um exercício de escrita, me dei ao luxo de escrever uma fan-fic de "As cidades invisíveis", usando o estilo calvinista e o universo fantástico criado por ele nessa obra.
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A cidade e as cores
Primeiro chama a atenção do viajante a chegar a Catarina que a cidade parece ter mais vida nas ruas do que entre os moradores. Quem chega por mar, por terra ou pelo ar não tarda a perceber que não há duas casas seguidas com a mesma cor, amarelo verde rosa azul lilás carmim, e também cor-de-fruta-pão, cor-de-pôr-do-sol, cor-de-pétala-de-lótus-recém-brotado, e outras cores que só em Catarina o viajante encontra.
Bom observador que é, Marco Pólo não pôde deixar de perceber a ausência de pessoas nas ruas. Ora, ele pensou, cheguei em dia santo, estão todos em suas orações. Terei que conhecer a cidade sozinho.
As ruas estreitas e longas, as esquinas sempre perpendiculares, dão a impressão de um enorme tabuleiro de xadrez em que as peças pretas e brancas ganharam tons mais vivos.
Em seguida chama a atenção do viajante que está em Catarina que a torre laranja, à segunda vista, torna-se roxa; e a igreja marfim no instante seguinte ganha tons de nuvem-antes-da-chuva; e a botica, que espanto, de dourado vai a cor-de-borboletas-no-estômago se o observador desvia os olhos.
A leste de Catarina, no entanto, no final de cada rua, uma casa não muda de cor. Na ala cinza da cidade, o viajante disposto a olhar pelas janelas verá velhos sentados em cadeiras de balanço, senhoras de pé defronte ao tanque, crianças no tapete em volta de brinquedos, moços vestindo terno, moças à penteadeira. Se esquecer do tempo e ali ficar, atento, perceberá que nada se move.
Estão mortos.
Enquanto noutros cantos a cidade brilha em cores que só em Catarina o viajante encontra.
1 Comments:
Esse teu texto é otimo
bjs
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