
A chuva de hoje não é a mesma chuva de amanhã. m Recife venta tanto, e esses dias, superaram de longe a média - é verdade, em Olinda caíram postes, casas foram destelhadas e a maré invadiu ruas -, que a nuvem cinza da noite já vai estar longe pela manhã.
Na Semana Santa de 2003 eu fui ao Recifee tirei o último dia para visitar a Ilha de Itamaracá. E depois de um congresso ensolarado, a segunda-feira amanheceu nublada e evoluiu logo para um dilúvio de proporções bíblicas. A excursão já tinha andado 100km, nós estávamos diante de um paraíso escondido atrás de uma cortina de água e eletricidade.
Dessa vez a maldição esteve perto de se cumprir. Eu nunca conheceria realmente as belezas de Itamaracá. No dia e que o congresso acabou, como m[ágica o céu se fechou e nuvens cinza. Chuviscou, mas prometia mais. Durmi pensando no que faria se o domingo estivesse feio. Mas, como eu disse no início, a chuva de hoje não é a chuva de amanhã, e no domingo nasceu um sol maior que de todos os outros dias.
Era nove horas da manhã quando partimos do albergue. Eu, o brasiliense Marcos e o alemão Sören. Um, doi, três ônibus depois, uma kombi pré-histórica que o dono recuperou do ferro-velho, e eis que 2h30 depois já estávamos na Praia do Forte.
A kombi, ou ainda, o leilão de seres humanos que precisam se deslocar de um lado a outro, merece um parênetese. Fomos os primeiros a entrar, e no mesmo ponto mais três. A cada possível passageiro o kombeiro punha meio corpo para fora e gritava "
Ilha de Itamaracá dois real!" Mais um casal, e uma família, crianças... já se contavam dez pessoas dentro da kombi e o camarada continuava tentando botar mais gente. A lotação absoluta veio quando ele viu duas meninas e julgou que elas estariam interessadas no transporte coletivo. Gritou que o motorista parasse, o que só aconteceu a umas duas centenas de metro à frente. Voltando de ré no meio da auto-estrada, chamou as garotas, que realmente aceitaram o desafio. Dois rapazes cederam seus lugares para as duas, e foram se sentar dentro do porta-malas. E com algo perto de quinze pessoas chegamos ao ponto final.
Voltando, então... o Forte Orange, que dá nome à praia em que estávamos, é uma construção holandesa do século XVII, tempo em que Maurício de Nassau tomou essa porção de terra para o Reino dos Países Baixos. Com a retomada de Pernambuco, o forte foi destruído e refeito à moda dos portugueses. Ultimamente, um consórcio entre instituições brasileiras e holandesas organizou uma linha de pesquisas no local, transformando o forte em sítio arqueológico.

Outra atração da ilha é o Projeto Peixe-Boi Marinho, responsável pelo estudo e proteção do mamífero aquático. O projeto tem filiais em todos os estados litorâneos da Bahia ao Amapá, e na sede em Itamaracá, onde tudo começou, hoje funciona um parque aberto a visitação de turistas. No cinema, em forma de peixe-boi gigante, em concreto, cujo teto, por dentro, imita a coluna vertebral e as costelas, passam vídeos institucionais sobre a ecologia do mamífero mais ameaçado de extinção. Mas a maior atração mesmo são os tanques, em que os bichos bobalhões podem ser vistos de perto.
Definitivamente a Ilha de Itamaracá vale uma visita em dia de sol. Acontece que nós não éramos os únicos a achar isso. Só tivemos õção de quantas pessoas tinham tido a mesma idéia ao tentarmos voltar. A fila no terminal rodoviário ia e vinha, ia e vinha, saía da praça e dava meia volta no quarteirão. Seis ônibus sanfona saíram lotados antes de chegar a nossa vez de entrar. Três integrações e duas horas depois, estávamos de volta no albergue, sãoe e salvos. E mortos de cansaço.
Se para mim foi uma guerra, imagino o que não foi para o alemão. Ele olhava para tudo como uma grande novidade. Mas ele ficou mesmo espantado, e pelo lado bom, com a civilidade e paciência com que todos esperavam na fila do terminal. Realmente incrível!
Título retirado da letra de "Leão do Norte", do Quinteto Violado