sábado, fevereiro 25, 2006

Frase do dia


"Quando você começa a fazer musculação, você perde gordura e ganha massa muscular. E, você sabe [eu sei?, pergunta-se o interlocutor], um quilo de músculo pesa mais que um quilo de gordura."

Ah é?

Imagino, então, que mais ainda pese um quilo de chumbo; e um quilo de algodão deve pesar menos, quase nada.

A pérola foi dita por um professor de academia para uma paciente minha. Ela olhou, olhou, pediu para repetir, e a mesmíssima frase, sem qualquer retificação, saiu de novo daqueles lábios estúpidos.

O maior espetáculo da Terra


Já se passou uma semana do maior show de rock de todos os tempos e "Tente Outra Vez" ainda não se manifestou. É um forte sinal do fim dos tempos, profetizou Nostradamus. Pensou-se muito que aconteceria durante o Rock in Rio de 1985, e muitas mães não permitiram que seus filhos curtissem apresentações inesquecíveis de Yes, James Taylor, Scorpions e Queen. Mas se fosse realmente o fim do mundo, adiantaria eles estarem ali ou em qualquer lugar?

E o Brasil lá é tão importante assim para o fim do mundo começar em Jacarepaguá? Ora, mas essa gente é umbiguista demais! E se por uma vez não aconteceu, não seria nas tentativas seguintes: segunda e terceira edições do Rock in Rio; megashows de Roger Waters, Eric Clapton, Pearl Jam na Apoteose; U2 no autódromo de Jacarepaguá, o show que parou o trânsito do Rio, o mais próximo de apocalíptico de todos; Rod Stewart no réveillon de Copacabana; Lenny Kravitz também de graça... e agora, na mesma praia que recebe milhões para passar a virada do ano, o maior público para um show de rock de todos os tempos, Rolling Stones em Copacabana, desbancando a megaprodução de Paul Simon no Central Park.

Falta uma semana...
Faltam seis dias... cinco... quatro... três... dois... um...
É hoje à noite...
Não posso estar na rua à hora do show...
Tenho que chegar em casa...

Minha primeira idéia foi estar em Copacabana. Sairia da clínica (sim, trabalho sábado de manhã), almoçaria com meu pai e iria de alguma forma para lá. Como exatamente, não sabia, pois o metrô vendera bilhetes antecipados, os carros não chegavam nem perto, os ônibus já estavam lotados.

Desisti.

Em Copacabana, certamente não conseguiria chegar perto do palco. Assistiria a tudo por um dos telões dispostos na praia. O Rio Rock & Blues Club estava programando passar o show, transmissão da rede Globo, no telão. O clima de casa de show custaria R$10,00. Só pelo clima mesmo, porque a transmissão era de graça para todas as televisões do Brasil. Meu irmão ia com a namorada, e eu fiquei tentado a ir.

Desisti.

Minha namorada não iria, coisa de quem faria plantão no dia seguinte. Além do quê, em casa seria de graça; não com um telão, é verdade, mas de graça; só nos dois e mais ninguém, é verdade, mas de graça.

Fiquei em casa mesmo. E que show! Deu muita vontade de estar lá, de pular com aquela gente, de gritar , "But it's all right now Jumpin' Jack Flash", "I know it's only rock n' roll but I like it", "It's the honky tonk, honky tonk woman/ Gimme, gimme, gimme the honky tonk blues", "If you start me up I'll never stop", "I can't get no satisfaction"... Sobre o palco, mais rugas que a vã matemática pode contar; mas também mais preparo físico, mais disposição, que muita sala de academia por aí.

Há quarenta anos, talvez Mick Jagger, Keith Richards, Ron Woods e Charlie Watts não acreditassem que chegariam a sexagenários. Pois chegaram, e hoje compõem e tocam tanto quanto nos primórdios. No público de Copacabana tinha gente com idade de ter ido à apresentação no Marquee Club em 1961, assim como quem teria sido barrado no show de 1998 na Apoteose. Vovôs e vovós, papais e mamães, filhinhos, a família reunida para assistir à maior (ou pelo menos a mais longeva) banda de rock de todos os tempos.

Eu ainda não passei dos trinta, mas estou ficando velho. Há um tempo, jamais recusaria estar lá, no meio da multidão, gritando, me esgoelando, pulando, suando. No Rock in Rio 3, o último dia levou 500 mil pessoas para assistir Silverchair e Red Hot Chili Peppers, e eu estava na Cidade do Rock. E o maior show de todos os tempos, a uns 30 km da minha casa, assisti da tevê.

Sinal dos tempos.
Mas eu ainda volto a fazer dessas doideiras, podem acreditar. Nâo sei se eu mesmo acredito, mas prefiro acreditar que sim. No dia que eu duvidar, compro uma caixa com a coleção completa de Chitãozinho & Xororó.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

O Calvino invisível


Italo Calvino, escritor cubo-italiano, é um dos grandes expoentes da literatura fantástica experimental da segunda metade do século XX. É autor de várias obras primas, como a série de histórias medievais que inclui "O barão sobre as árvores", "O cavaleiro inexistente" e "O visconde partido ao meio". Destes, só não li ainda o último.

Em "As cidades invisíveis", Marco Pólo descreve para Kublai Khan as cidades por que passou em suas viagens pelo oriente. Fossem localidades quaisquer, seria apenas isso; mas Calvino descreve com muita poesia cidades impossíveis que metaforizam vários aspectos da condição humana. Os nomes, sempre femininos, também ajudam a humanizar e sexualizar a geografia (ou bem diria, anatomia) local.

Em um exercício de escrita, me dei ao luxo de escrever uma fan-fic de "As cidades invisíveis", usando o estilo calvinista e o universo fantástico criado por ele nessa obra.

***

A cidade e as cores

Primeiro chama a atenção do viajante a chegar a Catarina que a cidade parece ter mais vida nas ruas do que entre os moradores. Quem chega por mar, por terra ou pelo ar não tarda a perceber que não há duas casas seguidas com a mesma cor, amarelo verde rosa azul lilás carmim, e também cor-de-fruta-pão, cor-de-pôr-do-sol, cor-de-pétala-de-lótus-recém-brotado, e outras cores que só em Catarina o viajante encontra.

Bom observador que é, Marco Pólo não pôde deixar de perceber a ausência de pessoas nas ruas. Ora, ele pensou, cheguei em dia santo, estão todos em suas orações. Terei que conhecer a cidade sozinho.

As ruas estreitas e longas, as esquinas sempre perpendiculares, dão a impressão de um enorme tabuleiro de xadrez em que as peças pretas e brancas ganharam tons mais vivos.

Em seguida chama a atenção do viajante que está em Catarina que a torre laranja, à segunda vista, torna-se roxa; e a igreja marfim no instante seguinte ganha tons de nuvem-antes-da-chuva; e a botica, que espanto, de dourado vai a cor-de-borboletas-no-estômago se o observador desvia os olhos.

A leste de Catarina, no entanto, no final de cada rua, uma casa não muda de cor. Na ala cinza da cidade, o viajante disposto a olhar pelas janelas verá velhos sentados em cadeiras de balanço, senhoras de pé defronte ao tanque, crianças no tapete em volta de brinquedos, moços vestindo terno, moças à penteadeira. Se esquecer do tempo e ali ficar, atento, perceberá que nada se move.

Estão mortos.

Enquanto noutros cantos a cidade brilha em cores que só em Catarina o viajante encontra.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

A aurora da minha vida


Oh! que saudades que tenho,
Da aurora da minha vida,
Da minha infância querida
Que os anos não trazem mais!
Que amor, que sonhos, que flores,
Naquelas tardes fagueiras,
À sombra das bananeiras
Debaixo dos laranjais!


Casemiro de Abreu viveu meteoricamente entre 1839 e 1860. Com menos de 20 anos, pois, escreveu uma ode à sua infância, como se aqueles "Meus oito anos", título do poema, fossem tão distantes. O tempo é psicológico, ou pelo menos a forma como o sentimos passar. Depois de uma infância feliz "debaixo dos laranjais", o poeta fluminense sofreu na adolescência, impedido pelo pai de se dedicar à literatura, obrigado a estudar Comércio.

A saudade não é tão diretamente proporcional ao tempo decorrido. Eu diria que o mais importante é a diferença entre os dois estados, o antes e o agora. Se tudo continua na mesma, não há saudade, por mais que o tempo passe; se de súbito um pico se faz vale, o tempo ínfimo é capaz de deixar uma intensa melancolia.

Eu tenho saudade da minha infância querida, da sombra das bananeiras; laranjais não havia, mas abacateiros, mangueiras, goiabeiras eram o nosso lugar. Faziam sombra para estudarmos, davam as frutas que levávamos para casa, esticavam os galhos em que subíamos e pulávamos e subíamos e pulávamos. O Paraíso era ali; Taí, mas ninguém vê. Porque, Antoine de Saint Éxupery dizia pela boca do Pequeno Príncipe, só se vê bem com o coração, e os adultos perderam a capacidade de enxergar o elefante engolido pela jibóia.

Chamava-se Colégio St. Patrick's. Do Recreio, importante dizer, que o do Leblon, apesar de sede, não tem a menor graça, uma porção de concreto cercada de muros por todos os lados. O colégio ainda existe (até quando?) recostado na Mata Atlântica do Pontal. Mas esse que eu vejo quando passo em frente não é mais aquele dos meus tempos, que hoje eu só encontro na minha memória. Minha e dos meus amigos, com quem eu vivi a vida inteira como irmãos.

Quando Marko Suomela, cantor pop, fotógrafo e publicitário, convida para os shows da sua banda, ali está St. Patrick, mais que na imensa catedral do Harlem, mais que nas esquinas de Dublin. Quando Eric Anton, engenheiro eletrônico, volta de São Paulo, é St. Patrick que segura firme o avião no meio das turbulências. Quando Alessandra Denik, engenheira agrícola, se perde nas entranhas do Mato Grosso, como um Marechal Rondon do século XXI, é St. Patrick a traçar o caminho de trevos de volta para casa. Quando Bruno Obadia, professor de Educação Física e treinador de futebol, se esgoela pelos seus jogadores em campo, é St. Patrick que faz o placar aumentar para o seu lado, a bola que entra por um sopro. Quando Daniel Guimarães, engenheiro civil, calcula pesos e preços, a vírgula que faltava é St. Patrick quem coloca. Adoraria falar de Rodrigo Pomar, quem dá mais trabalho a St. Patrick, mas é segredo de Estado.

Não sou religioso. Nada disso é religioso. Não é o santo, o são Patrício, que vela por nós todo dia e noite. É o pensamento de um, a preocupação do outro, é a importância que cada um tem na vida dos outros, é saber que a essa hora eu tenho uma meia dúzia de amigos de vinte anos com quem eu poderia contar.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

Com vocês, o Rei Mídia


O século XX viu a arte se transformar em produto. Mas será que isso é tão moderno assim? Mozart compunha para agradar papas, Michelangelo fazia seu pé de meia pintando afrescos de igrejas, e Shakespeare também tinha o seu mecenas. Afinal, artista também é gente, ou pelo menos parece direitinho: respira igual, come igual, paga as contas no fim do mês igual. Arte é feita para apaixonar, incomodar, se expressar; mas todo o processo demanda tempo e dedicação, estudo e experimentação, e precisa ser bem pago para isso.

Nunca foi novidade que a arte fosse patrocinada, mas o século XX acompanhou a sua banalização. Qualquer borrão é pintura, qualquer palavra é poema, qualquer monte amorfo de lama é escultura. Mudou o artista, ou mudou a expectativa do público frente à obra de arte? Talvez tenha mudado a relação com o patrocinador, passando a dependência o que antes era admiração. Resta a eterna discussão: o que vende, o que dá retorno financeiro ao artista e ao mecenas, é necessariamente uma obra banal? Qualidade empobrece quem pretende viver de arte?

A mais nova arte, sétima, surgiu no final do século XIX, com as geringonças ópticas dos irmãos Lumière. O cinema se popularizou logo depois, fixando residência na costa oeste dos Estados Unidos. Hollywood virou metonímia de cinema, o produtor pela produção; enquanto o resto do mundo se esforçava para ser reconhecido nas telas. Mas o dinheiro levou a revolução industrial para a América, produzindo filmes em série, ao ritmo em que Charlie Chaplin apertava os parafusos em Tempos Modernos.

No início dos anos 70 surge um produtor associado que não tarda a ganhar para si os holofotes. É Jerry Bruckheimer, estreante com o faroeste Assim Nasce um Homem, de 1972. A partir da década de 80, produziu boa parte do lixo sessão-da-tarde que ainda é reprisado nas tevês até hoje, passando por Flashdance, Top Gun e Dias de Trovão. São romances abestalhados, previsíveis, sem a menor vontade de fugir de todos os clichês possíveis e imaginários. Nesse meio, também foi responsável pela série Um tira da pesada, mais lembrada pelas gargalhadas que provoca do que pelo ineditismo do roteiro. Com o modismo de filmes catástrofe, lançou Armaggedon; revisitou patrioticamente a Segunda Guerra em Pearl Harbor; muita ação descerebrada em Con Air, A Lenda do Tesouro Perdido, Bad Boys... E volta a se salvar com a excelente atuação de Johnny Depp em Piratas do Caribe.

Difícil dizer se Bruckheimer vai para onde a moda dita, ou se é ele próprio a ditá-la, tão perto o produtor sempre está dos últimos acontecimentos. Apesar de a maioria de seus filmes ter uma ótima freqüência de público, artisticamente não acrescentam nada.

Em 2000, resolveu procurar um novo caminho. As séries de tevê faturavam rios de dinheiro, os atores recebiam muito por cada episódio, e Bruckheimer não podia deixar de explorar esse potencial. Lançou "CSI - Crime Scene Investigation", sucesso imediato de público e crítica. Já na segunda temporada foi a série com mais indicações ao Emmy. E, já dizia Charles Darwin, dá certo aqulio que é capaz de se reproduzir, logo vieram as versões de CSI em Miami e Nova Iorque, "Without a Trace" e "Close to Home", preenchendo todos o mesmo nicho também ocupado por "Law and Order": o drama policial investigativo que descobre casos impossíveis. Uma espécie de Agatha Christie dos tempos tecnológicos.

O grande diferencial do trabalho de Jerry Bruckheimer no cinema e na tevê, no entanto, é a qualidade. Sim, todos os seriados são basicamente a mesma coisa. E cada um, individualmente, é muito bom. Consegue manter o suspense, a tensão, enquanto destrói um a um, com argumentos lógicos, os prognósticos do espectador. As investigações vão e voltam, mudam de foco, sem jamais enganar o fã. Tudo que um bom escritor de literatura policial precisa saber.

Além disso, os seriados parecem mais abertos a experimentação. Quentin Tarantino, fã assumido de Gil Grissom e sua equipe de peritos da Polícia de Las Vegas, foi convidado para escrever e dirigir um longa metragem, episódio duplo que encerrou a temporada de 2005. A trilha sonora é recheada por bandas alterativas como Radiohead, Sigur Rós, fora a abertura com The Who, uma música diferente para cada versão de "CSI". Comparar com "Take my breath away", ou a música-tema de Flashdance é até covardia.

Curioso a tevê ser o local de experimentar, dar certo e nada mudar no cinema. Difícil esperar que isso mude, já que continua funcionando, apesar de todo seu retrospecto cinematográfico. Mas torcer não custa nada.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Se eu fosse você


O que se espera de comédias românticas? Conteúdo é nulo, sem o menor questionamento filosófico, nada de ação, desenvolvimento clichê. Mas eles têm lá o seu lugar no cinema: são engraçados e divertem. Por isso filmes pseudo-cults não dão certo: o espectador quer dar risadas, desligar-se dos problemas do dia-a-dia.

É a diferença entre um "Wimbledon", com Kirsten Dunst e Paul Bettany, e "Um lugar chamado Notting Hill", com Hugh Grant e Julia Roberts.

De semelhanças entre os dois, podemos apontar todo o desenvolvimento do roteiro: duas pessoas absolutamente diferentes se conhecem, não têm nenhuma razão para se gostarem, mas com o tempo começam a se conhecer melhor e se descobrem apaixonados; até que até que surge um empecilho, alguém do passado ou uma incompatibilidade surpreendente, e o casal se separa; tudo para que nos últimos minutos, quando ela está a segundos de viajar, ele aparece e vivem felizes para sempre, the end. Uau, quem patenteou essa fórmula hoje está milionário, recebendo royalties de 95% dos filmes de Hollywood.

Mas Hugh Grant tem um trunfo nas mangas: o humor britânico, cínico, que despedaça o espectador de "Quatro Casamentos e um Funeral", "Um Grande Garoto", "O Diário de Bridget Jones"... Não são grandes filmes, não são revolucionários, seguem precisamente a mesma fórmula. Mas são terrivelmente engraçados.

Por outro lado, "Wimbledon" tem Kirsten Dunst, que será para sempre reconhecida como Mary Jane Watson, a menina por quem Peter Parker é apaixonado, enquanto ela morre de amores pelo Homem Aranha. É bonita, sim, muito bonita, mas nunca fez outro papel tão interessante. Além disso, as partidas de tênis (fundamentais num filme que pretende retratar um torneio de grand slam) não passam verdade. As falhas de roteiro são gritantes para quem conhece o esporte: na vida real, os atletas masculinos nunca jogam no mesmo dia das mulheres, o que compromete toda a verossemelhança do filme.

Hoje fui assistir "Se eu fosse você", de Daniel Filho, com Tony Ramos e Glória Pires nos papéis principais, e coadjuvantes como Thiago Lacerda, Glória Menezes, Danielle Winitz, Lavínia Vlasak.

O filme trata do conflito entre personalidades, no caso marido e mulher, através da fórmula já bastante batida desde "Quero ser grande", clássico com Tom Hanks: a troca de corpo entre duas pessoas que não se entendem e precisam viver o dia do outro para reforçarem o sentimento entre eles. Duzentos e cinqüenta mil filmes já foram feitos usando esse argumento; quem se aventurar numa nova releitura precisa de muita coragem e de um ingrediente novo. A comédia de situação é a praia da roteirista Adriana Falcão, e aqui ela - e seus colegas Daniel Filho, Renê Belmonte e Carlos Gregório - faz a festa.

A atuação dos protagonistas está perfeita. Apesar de à primeira vista a escolha de Tony Ramos e Glória Pires parecer propaganda da novela das oito, percebe-se durante o filme que foi bastante acertada. Ela faz um ótimo Cláudio, e ele faz uma ótima Helena. Os outros menos, salvando-se Thiago Lacerda; e perdendo a linha Danielle Winitz e Lavínia Vlasak, atrizes do mesmo eterno papel (gostosona e patricinha, respectivamente).

Mas quem conhece o Rio de Janeiro, especialmente a Barra da Tijuca, vai se impressionar com as idas e vindas de carro pelo bairro. Cláudio e Helena estão indo de casa para a escola da filha: passa o shopping, passa o shopping de novo, passa o shopping do outro lado... eles já estão voltando?! Passa o shopping, passa a praia, passa o quiosque, outra vez o quiosque, mais uma vez o quiosque, eternamente o mesmo quiosque, volta para o shopping... eles estão andando em círculos?!

Não dá para esperar muito de "Se eu fosse você". Mas duvido que saia do cinema sem grandes risadas. Mesmo que seja pela falha no cenário.

Enquanto isso, no Velho Oeste...


Hoje em mais uma edição da série "Crônicas inesquecíveis já quase esquecidas", reproduzo uma análise da discografia de uma banda injustamente desconhecida no sudeste. O Bando do Velho Jack nasceu em Campo Grande - MS, e por aqui acho que só conhecemos eu e as pessoas para quem emprestei meus discos. Com vocês...

O bando do velho Jack está de volta... O que é isso, frase de filme western americano? Não, apenas uma constatação. O grupo sulmatogrossense O Bando do Velho Jack lançou recentemente o seu terceiro disco, com nome algo auto-biográfico: Como Ser Feliz Ganhando Pouco. A resposta é: com muito rock n' roll.

Estava eu no aeroporto de Campo Grande esperando o meu vôo de volta. Havia uma TV passando um monte de flashes randômicos, um anúncio de "não pesque na piracema", outro de "proteja seu gado contra a febre aftosa" ou ainda "aprenda a identificar a leishmaniose visceral". E no meio de um tanto de coisas que o pessoal da cidade grande não costuma se preocupar, apareceu uma apresentação da banda (ou do bando?) num programa acústico ao vivo. O visual me chamou a atenção: aqueles cabelos compridos, barbas por fazer e cara de mau me lembraram as bandas do rock sulista americano, tipo Lynyrd Skynyrd. Cheguei mais perto do aparelho para escutar melhor, e o som não decepcionou: era mesmo alguma coisa de Allman Brothers com The Band, ou coisa que o valha. Bem o estilo que eu costumo chamar de rock n' road, tipo trilha sonora de "Easy Rider".

Faltava pouco para eu chegar em casa: só o tempo de um vôo para São Paulo e de lá para o Rio. Mais o trajeto de carro e tal... umas 11h da noite eu poderia começar a pesquisar do que se tratava aquilo. E foi exatamente o que eu fiz. Google para que te quero, encontrei o site supralinkado e o da gravadora Top Cat Records, responsável pela distribuição dos discos. Lá, encontrei um campo onde poderia mandar mensagens para a gravadora. Perguntei sobre O Bando e como eu poderia conseguir os discos deles. Com inacreditável velocidade, eles retransmitiram a minha questão à própria banda, que me respondeu em e-mail assinado pelo baixista Marcos Yallouz.

Formou-se uma ponte internáutica Rio-Campo Grande. Nenhum e-mail ficava sem resposta por mais de 24 horas. E menos de meio mês depois, recebi pelo correio uma caixa com as três jóias do rock pantaneiro.

O primeiro disco chama-se "Old Jack", e oito regravações de sucessos do rock estrangeiro, das sulistas Born on the Bayou (Creedence Clearwater Revival) e Rock n' Roll Hoochie Koo (Johnny Winter) às britânicas Layla (Derek and the Dominos) e While My Guitar Gently Weeps (The Beatles), passando por muita coisa boa no caminho. A única música autoral é Cão de Guarda, rock de primeira que não faz feio perto dos gringos. O disco conta com a primeira formação da banda, com Alex Batata (guitarra/voz), Fábio Terra (guitarra/voz), Gilson Junior (teclado), Marcos Yalouz (baixo) e João Bosco (bateria).

Depois dele, veio "Procurado", um disco que ainda tem muitos covers de qualidade, mas também começa a mostrar o talento da banda com composição. Regrava Cream e Steppenwolf, referências óbvias ao som a que eles se propõem. Mas também traz uma versão mutante de Ando Meio Desligado, sem guitarras fuzz e com mais peso blues; e uma estranha Trem do Pantanal, música regional totalmente travestida de rock n' roll. No lugar de Alex Batata, assassinado ao tentar apartar uma briga de bar, entrou Rodrigo Tozzetti. Eles preferem dizer que Alex é insubstituível, e que a sua presença se sente em tudo o que fizeram desde então. O disco termina com duas faixas bônus, gravadas ao vivo no programa Som do Mato, da TVE/MS, ainda com a voz de Alex.

E cada vez mais o Velho Jack dá espaço para as composições próprias. O último disco, "Como Ser Feliz Ganhando Pouco", é quase todo autoral. É menos pesado, mas isso não faz dele menos interessante. O eterno vocalista é lembrado em Agora Falta Um, balada blues bastante sensível. O som também se enriqueceu de participações especiais: um acordeon aqui, uma cítara acolá... De trás dos teclados, Gilson se mandou e o seu lugar foi ocupado por Alex Cavalheri, projeto de Jon Lord. Não que o primeiro fosse ruim, muito pelo contrário, mas o instrumento passou a ter lugar mais importante na música.

Então é isso. A novidade veio de longe, e só veio porque eu fui para lá primeiro. Agora quem sabe vêm eles para cá? Uma turnê pelo Blues & Beer, Néctar e otras cositas más... nada mal!

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

Espaço concedido pelo Tribunal Superior Eleitoral para Propaganda Eleitoral Gratuita


Que o casal Garotinho não engana mais ninguém, que César Maia é um blefe em épocas de eleição, todo mundo já sabe (ou eu espero que todo mundo já saiba). Por isso, em outubro próximo, conto com o apoio dos meus leitores para me sentar nos quatro anos que se seguem na cadeira de prefeito dessa cidade abençoada pelo Cristo Redentor.

Votem Phlavyus, legenda ab, sendo ab = [PV – (PT ∩ PRONA)] ÷ [PSOL –(PSTU U PP)]

A primeira medida do meu governo resolverá dois grandes problemas do Rio de Janeiro: a deterioração da imagem de exportação de uma cidade sitiada pela violência; e os surtos sazonais de dengue. Ao mesmo tempo.

Explico:

Como se vende a imagem do Rio de Janeiro?

O epíteto de Cidade Maravilhosa já anda meio desgastado; os pontos turísticos, Corcovado, Pão de Açúcar, Copacabana, Maracanã, são pontuais, aqui e ali, e sofrem com os abusos a turistas, por ladrões profissionais e de ocasião (taxistas, vendedores...)
A idéia é transformar em chamariz o Rio inteiro, e não apenas uns poucos pontos turísticos. Para isso, é preciso transformá-lo em algo que nenhuma cidade do mundo é.

Como se acaba com os surtos de dengue nos sucessivos verões cariocas?

A resposta é simples: o mesmo que já vem sendo feito há muito tempo, mas com maior eficiência. O fumacê precisa borrifar o Rio de Janeiro todo, e não apenas uns poucos reservatórios do mosquito. Porque se o Aedes aegypti sobreviver em Jacarepaguá, um motorista desavisado pode lhe dar carona até Campo Grande, de onde ele pega o trem para a Mangueira, e dali para a Zona Sul é só tomar o metrô e trocar de linha no Estácio.
Para evitar esse tipo de coisa, o mosquito precisa ser exterminado de todo território carioca; e, diria mais, fluminense.

E em que sentido um projeto se relaciona com o outro?

Aproveitando o que o Rio tem de mais intenso, que é o calor, façamos da cidade uma gigantesca sauna ao ar livre. Pois quente já é; abafado, úmido, enclausurante. O que falta, então, para fazer do defeito a nossa grande qualidade, o diferencial para toda e qualquer cidade do planeta? Praias existem aos montes noutras paragens; bonitas, feias, de areia ou de pedra, de nudismo, biquínis brasileiros ou europeus; praias para todo gosto.

Pois cidade-sauna, ah, isso não tem em lugar nenhum. E então, repetindo a pergunta, o que falta? Ora, o eucalipto! Toda sauna que se preza precisa ter cheiro de eucalipto, assim como, vice-versa, todo cheiro de eucalipto traz imediatamente à lembrança uma sauna.

Já deu para entender onde o fumacê entra na história? Ao fumegar a cidade com mosquiticida aromatizado artificialmente com essência de eucalipto, pronto, já podemos fazer a propaganda internacional da primeira cidade-sauna do mundo, onde homens trabalham de sunga e mulheres de biquíni, e a cada cruzamento o pedestre pode se refrescar com uma deliciosa ducha gelada enquanto espera o sinal abrir.

domingo, fevereiro 05, 2006

O macabro dos nossos dias


Eu nunca fui muito fã de terror, até descobrir que não é só de Jasons e Krueggers que se faz esse gênero. O medo depende menos de sustos ocasionais e mortes sangrentas previsíveis que de um clima constante de tensão e suspense. Como exemplo das duas vertentes de terror, pode-se citar, respectivamente, "Pânico" (genérico de uma série de filmes semelhantes) e "Iluminado". No primeiro, um grupo de personagens clichê vive em um lugar clichê, acompanha uma série de assassinatos clichê e termina em uma situação clichê. O terror se sustenta nas salpicadas aparições do mascarado. Já no segundo, um homem vai com sua família para tranbalhar como zelador de um hotel isolado. Parte de uma premisa também bastante explorada, mas o desenvolvimento de Stephen King e Stanley Kubrick dão um frio na espinha em crescente, que perdura por toda a duração do filme.

Em literatura, comecei com os livros "Os Melhores Contos de Medo, Horror e Morte", de Flávio Moreira da Costa, e "Contos de Horror do Século XIX", de Alberto Manguel, coletâneas das melhores histórias de terror da literatura internacional. Os brasileiros estão incluídos, principalmente no primeiro, que conta com a presença de Machado de Assis, Inglês de Souza e o próprio Flávio Moreira da Costa.

Tenho hábito de ter sempre comigo um livro. Leio entre os pacientes, quando um falta e outro chega atrasado, em buracos na agenda, ou qualquer tempo que me sobre.

No momento, mora no meu carro a antologia de Alberto Manguel. Ela segue, tanto em título, editora, formatação, o que Ítalo Calvino fez em "Contos Fantásticos do Século XIX". Mas Calvino, para a seleção dos contos que fariam parte da sua coletânea, usou três regras básicas: 1) cada autor participaria com apenas um conto; 2) não entrariam contos de mais de 50 páginas; 3) apresentar somente narrativas completas. Além, é claro, de publicar apenas obras escritas no século XIX, como o próprio título sugere. Pois, dessas, Manguel respeitou tão-somente a primeira, não repetindo autores. Nem mesmo seguiu a lógica do título, incluindo vários textos do século XX. Tem até "A volta do parafuso", de Henry James, novela com suas 120 páginas.

Nada disso, no entanto, diminui a qualidade dessa antologia. A seleção é de altíssima qualidade, contando com Franz Zafka, Edgar Allan Poe, Guy de Maupassant, Eça de Queiroz, Ambrose Bierce, Robert Louis Stevenson, entre outros craques das letras.

Mas um livro como esse, "Contos de Horror do Século XIX", por melhor que seja, não causa muito boa impressão quando um paciente o encontra com os olhos entre livros de Medicina na estante do consultório. Que médico é esse, meu deus, ele deve pensar, que lê esse tipo de coisa? Ele deve pensar; mas se falasse alto, eu respoderia:

- Você não lê jornal? Pelo menos isso aqui é ficção! Botar fogo em ônibus, seqüestrar e torturar crianças aleatórias, metralhar inocentes na rua, matar pai, mãe e avó por um papelote de cocaína... Sou mais ler H.P. Lovecraft!