terça-feira, janeiro 31, 2006

Boa viagem!

O dia era 12 de fevereiro de 1993. A professora de Redação pediu para que escrevêssemos uma carta para alguém, qualquer um, que dissesse qualquer coisa. Era só um exercício do formato de carta, que dois anos mais tarde cairia no vestibular da Uerj.

Meu bisavô se chamava Antônio. Ele morreu em 1989, eu tinha 10 anos. Vendo minha bisavó chorar, meu irmão disse: "Bisa, não chora... você vai ser a próxima!". As palavras insólitas de um menino de 4 anos fizeram efeito: o pranto secou e dali para frente ela pareceu bem melhor. Meu bisavô fazia aniversário dia 12 de fevereiro, e tinha completado 81 anos.

Eu tinha que escrever uma carta. Sobre o quê? Qualquer coisa. Para quem? Qualquer um. Muito vago. Pensei "vou escrever para o meu biso que faria aniversário hoje". Minha carta não falava de morte, mas viagem. Dizia que ele tinha ido para longe, mas que um dia todos nós voltaríamos a nos encontrar. Era impessoal, tipo "Caro Antônio", porque eu, já expert em esconder sentimentos, não queria que soubessem do que se tratava de exatamente aquela carta. Eu a guardei, tenho aqui em algum lugar; dia desses eu acho e transcrevo para cá.

Marcio errou: minha bisavó não foi a seguinte. Etienne, assim ela se chamava (em francês o nome é masculino, mas tudo bem...), ainda viveu para ver a morte do genro, de câncer de cérebro, e da filha, que após um AVC ficou 7 anos de cama; antes disso, ela morava com os meus avós, e precisou se mudar para a casa da outra filha. Também perdeu uma filha de criação, uma amável menina de 52 anos com síndrome de Down. Aos 85 anos teve que operar um câncer de mama, e ainda viveu mais 11 anos depois disso.

Na sexta-feira, 27 de janeiro, ela não acordou. Já não sabia em que época vivia, para ela meu bisavô tinha saído para o trabalho, "ele conseguiu emprego na Matarazzo, mas ganha muito pouco". Ele trabalhou na Matarazzo na década de 30! Não reconhecia as pessoas, até porque ninguém de nós existia nos anos em que sua cabeça estava.

Meu tio-avô me ligou, pediu para eu ir lá. "A acompanhante disse que ela não está respirando". Cheguei em 10 min, o tempo de avisar meu staff, tirar o carro do estacionamento do HUPE e andar menos de 1 km. Não só tinha parado de respirar como os dedinhos já estavam arroxeados, cianóticos. "E aí, Flavio", perguntou minha tia, "morreu mesmo?" Não precisa ser médico para isso. Sim, não tinha mais jeito.

Etienne nasceu de uma mãe de 14 anos em 1909. Aos 25 anos, sua mãe morreu de tuberculose, deixando com 4 filhas e o marido. Pouco depois, ele se casou novamente. Dona Violeta foi mãe de mais três, além de assumir as primeiras filhas do marido. Foi avó da minha avó, bisavó da minha mãe. Mas eu não a conheci, morreu pouco antes de eu nascer. Etienne teve cinco filhos, perdeu dois ainda pequenos, e mais Anita, filha de criação; seis netos, sete bisnetos e um trineto.

À noite, choveu pela primeira vez em três semanas, mais que havia chovido em todo o resto do mês. Era o tanto de gente lá em cima que chorava de saudade. A chuva, eu senti, era salgada.

quarta-feira, janeiro 25, 2006

Top 5 Melhores Músicas de Terror

5. The Raven - The Alan Parsons Project
Quando Alan Parsons montou um projeto de banda, resolveu que seu primeiro disco, "Tales of Mystery and Imagination", homenagearia o escritor de contos de terror-fantástico Edgar Allan Poe. Todas as músicas são títulos de contos de Poe, dentre os quais a pérola "O corvo".

4. Mistérios da meia-noite - Zé Ramalho
A música ficou conhecida como o tema do lobisomem de "Roque Santeiro". Cera vez, Zé Ramalho disse que sua obra era uma mistura de Bob Dylan (trovador), Pink Floyd (psicodélico) e Luiz Gonzaga (nordestino). Faz sentido!

3. A beira do Pantanal - Raul Seixas
Essa é uma música obscura na carreira de Raul Seixas. Eu mesmo só conheci recentemente, quando um colega do Clube de Escritores de Literatura Fantástica (CELF) escreveu um conto que citava essa letra. Um homem mata sua amada e esconde o corpo no Pantanal. E ele, depois de preso, ouve a voz da mulher: "Por que, meu querido /Por que, meu amor / Cravaste em mim teu punhal? / Meu peito tão jovem sangrando assim / Por que esse golpe mortal?" Edgar Allan Poe, quem diria, foi parar no Mato Grosso!

2. Crossroads - Robert Johnson
Clássico do blues, tão clássico que virou lenda. É a famosa história do homem que, em troca de ser o melhor guitarrista da região, vendeu sua alma ao diabo numa encruzilhada. Há quem diga que a letra é auto-biográfica, que o dedilhado de Johnson não pode ser coisa desse mundo. Será? Se é verdade, bom, enquanto ele arde no inferno, sua obra ficou para posteridade, idolatrada por todos seus suscessores.

1. Sympathy for the devil - The Rolling Stones
Quem não reconhece essa música de ouvir os primeiros acordes? A banda fala do diabo em primeira pessoa, personificado pela banda, se apresentando a uma segunda pessoa genérica, ou seja, o ouvinte. Os backing vocals demoníacos ajudam a criar o clima de terror.

terça-feira, janeiro 24, 2006

Top 5 Melhores Músicas de Ficção Científica

Antes, uma regra auto-estabelecida: não repetir autores. Isso é importante, especialmente em alguns top-cincos, para evitar que seja dominado por um só artista.

Uma das principais características da função poética é a presença de figuras de linguagem. O texto fantástico, seja FC ou não, pega uma figura de linguagem e descontextualiza, torna real o sentido figurado.

Tomei cuidado, pois, para escolher músicas em que o elemento FC não aparece claramente como metáfora. Mas, em última análise, a FC é quase sempre uma analogia do real, de sistemas políticos, relações interpessoais...

Vamos ouvir, então:

5. O dia em que faremos contato - Lenine
A música-título do segundo álbum, composição de Lenine e Bráulio Tavares, fala de um contato imediato de 3º grau numa favela. "Por que não desembarcaram em São Paulo, em Brasilia ou Natal?", ele pergunta. A FC já começa pelo título do disco e a capa, em estilo Flash Gordon.

4. I Robot - The Alan Parsons Project
Alan Parsons foi o engenheiro de som genial por trás de "Abbey Road", dos Beatles, e "Dark side of the moon", do Pink Floyd. A música da sua banda desfila no estreito entre o rock progressivo, o pop e a eletrônica. Nesse segundo disco, prestam homenagem a Isaac Asimov.

3. Cygnus X-1 - Rush
Neil Peart, baterista e letrita, sempre se mostrou fã de longos épicos de fantasia medieval e espacial. Cygnus X-1 começa no disco "Farewell to kings", com os preparativos para uma viagem espacial; e termina no álbum seguinte, um ano depois, com a viagem propriamente dita, que chega a um final poesia-pura. Ao todo são 28 minutos de Rush.

2. Astronomy Domine - Pink Floyd
A loucura psicodélica de Sy Barrett leva o ouvinte para o espaço já na primeira faixa do primeiro álbum do Pink Floyd. Júpiter e Saturno, Oberon, Miranda e Titânia (personagens de Shakespeare transformados em planetas). Ainda no "Piper at the gates of dawn" se acha a instrumental "Interstellar overdrive", mais sci-fi rock.

1. Space Oddity - David Bowie
Poderia fazer uma lista só com David Bowie, da época em que se travestia de Ziggy Stardust. Mas optando por escolher uma só, fico com o Major Tom, que após comunicação com o controle de Terra, se perde no espaço, "sitting in a tin can". É uma história completa, começo, meio e fim, em poucas palavras. E musicalmente, bom, é David Bowie...

Beleza pura


Ninguém paga consulta médica, mas quando o objetivo é ficar bonita para o verão, esconder as pelancas no carnaval, viajar para Califórnia no nosso inverno, o céu é o limite. Há quem despenda 800 reais, ou mais até, que esse valor já é tão alto para mim que mais não faz sentido, numa semana de tratamento estético intensivo, incluindo choques, massagens, esfoliações, peelings, ultra-sons... tudo com nome em inglês para agradar a gente chique que pensa viver em Miami Beach.

Se ninguém abre o bolso para a saúde, o convênio, quando paga em dia, é uma mixórdia, e o mercado da beleza precisa de Endocrinologistas, o que eu estou fazendo na clínica?

Não dispensaria a clínica por nada nesse mundo, por menos que eu ganhe, nem que fosse apenas pelo prazer de me sentir médico, por ajudar pessoas que realmente precisem. Mas se só isso não põe mesa, não paga condomínio, que venham as clínicas de estética.

Beleza não é necessidade, é vontade. Além de nível financeiro capaz de arcar com os custos nada baratos, já que os planos de saúde, óbvio, não cobrem esse tipo de tratamento. Beleza, enfim, é tão subjetiva quanto abstrato é o substantivo: vive entre os extremos da mulher hirsuta que não dá a mínima e aquela que, pêlo contrário, quer se ver livre definitivamente do problema das depilações.

Outro dia meu professor de tênis (ex- até que o dinheiro volte a entrar) me ligou falando de uma médica, sua aluna, que estava precisando de Endocrinologista em sua clínica. Liguei. Marcamos um encontro. Ontem fui à reunião, e hoje voltei para visitar, conhecer mais a fundo, e me ofereceram fazer um tour prático pelos aparelhos de estética. Levei choques, ganhei massagens, sofri esfoliações, fiz peelings, recebi ultra-sons... amostra grátis do que eu, trabalhando com eles, indicaria para os clientes.

Clientes, sim; jamais referir a eles como pacientes. Preciso me policiar.

E, deitado na maca ao meu lado, enquanto eu me transformava em um novo homem, mais magro, mais bonito, mais elegante, sem gorduras localizadas, sem estrias e sem celulites, ora quem diria, o grande Raul Gazolla. Até conversou comigo...

- Você vai começar a trabalhar aqui?
- Sim, sou Endocrinologista.
- Boa sorte!

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Enquanto isso, na zona...


Nunca me achei conservador, mas ou eu sempre estive enganado, ou mudei bastante; ou, ainda, a modernidade tomou o mundo de assalto e os antigos valores, não tão antigos assim se do meu tempo, ficaram para trás.

Se eu parava de carro no sinal vermelho, o que acontecia? Propaganda de novos empreendimentos imobiliários, promoções de supermercados, flyers de shows alternativos... e agora?

Agora, depois de voltas e voltas da Terra em torno do sol, alguma coisa saiu dos eixos; se pelo efeito estufa queimando miolos, se pelos terremotos mudando o centro de gravidade do planeta, não sei.

Já existiam puteiros, termas, casas da luz vermelha, prostíbulos, strip clubs, como queira chamar. Mas eis que de repente surge reformado um velho casarão que caía aoas pedaços na praia da Barra: mais um. E um whisky club nasce a caminho do Recreio dos Bandeirantes: mais outro. Um restaurante chique fecha as portas e mulheres em trajes esquisitos pipocam pelas redondezas, em área residencial: mais outro.

Aumentou a oferta, aumentou também a concorrência. Vence a disputa pelos clientes aquele com melhor direção de marketing. A marca precisa ser vendida, reconhecida pelos consumidores em potencial. Um belo dia, saindo de casa, um carro do som anunciava "as melhores mulheres do Rio de Janeiro". Voltando da clínica de Guaratiba, uma distribuidora de propaganda me entregou no sinal o flyer do Paris Café Whisky Club; e ao passar pela porta (que fica, sim, no meu caminho), reparei o escrito "Clube de Swing para Turistas". E hoje, quase chegando em casa, me veio às mãos o anúncio das Termas Âncora do Recreio no sinal vermelho em frente ao Bon Marché.

Esse mundo está mesmo ficando de cabeça para baixo. Daqui a pouco o pólo sul troca de magnetismo com o norte, é só o que falta. Dizem que isso acontece mesmo a cada sei lá quantos anos. Deve estar acontecendo agora enquanto escrevo. Mas faz sentido: se os bandidos podem carregar fuzis à luz do dia, por que elas não podem propagandear o trabalho honesto?

Histórias de motorista


Da série "Crônicas inesquecíveis já quase esquecidas", que arrisca começar hoje e terminar hoje mesmo, ressuscito duas histórias de motorista, uma espécie de versão urbana das histórias de pescador, mas que, eu juro, aconteceram bem assim como eu conto.

Perdido na Selva

Hoje foi um dia complicado: estive cego por um instante, e pior, dirigindo. Estava na Av. Maracanã quando tudo aconteceu. O casaco contrastava com o tempo quente, e por isso resolvi tirá-lo. Parei em um sinal, em frente à Praça Varnhagen, e o tirei. Percebi que o movimento removera os óculos do meu rosto, e depois ainda ouvi um estalido de algo batendo no asfalto, mas não me havia ligado para o fato. O sinal abriu, e somente então me percebi cego. Afinal, dirigir com -6,5 dioptrias no olho e -5,25 no esquerdo não parece fácil. Bom, o sinal abriu e eu tive que andar. Estava na faixa da extrema esquerda, ao lado do canal, e não podia estacionar. Aos poucos fui tomando a direita para virar em alguma rua onde pudesse parar, e só consegui em frente ao Tijuca Shopping, um quarteirão adiante.

Voltei correndo para o sinal onde meus óculos se suicidaram para fora do carro, mas não os encontrei. Perguntei ao vendedor de morango, ao malabarista de bolas de tênis, mas eles nada tinham visto. Um até comentou: "eu sei o que é isso, meu filho tem 16 graus", ao que eu respondi que aquele par não lhe serviria de nada, porque eu "só" tenho 6... mas ele não falou de mal, duvido que tivesse pego.

De volta ao carro, liguei para a minha mãe, ela sempre tem alguma brilhante idéia. Falou com o Mauro, ex-marido dela, que tem uma farmácia logo ali na Praça Saens Peña, e ele foi me buscar. Com ele conduzindo meu carro, fomos até a óptica de um conhecido, o que me salvou o resto do dia. Com o atendimento oftalmológico de emergência - nunca achei que exame de refração pudesse ter alguma urgência - pelo técnico da óptica, comprei um par de caixas de lentes de contato descartáveis compatível com a minha necessidade visual.

Apesar de a vida útil teórica de cada par dessas lentes descartáveis ser de 1 mês, o meu organismo rejeita de alguma forma esse corpo estranho corneano, e a lente já começou a se embaçar. Espero que sobreviva à primeira lavagem, e que amanhã já esteja novamente 100% para que eu possa ir à faculdade, atender meus pacientes, e ainda ir a uma festa à noite.

***

CRASH! BOOM! BANG!

Bananas e maçãs não devem se sentir muito confortáveis dentro de um liquidificador. Gosto muito de vitamina, mas esse pensamento não me sai da cabeça desde que eu me passei por uma experiência provavelmente não muito diferente da que elas passam no eletrodoméstico. Uma diferença fundamental: eu não saí triturado. Por pouco.

É de se estranhar que não haja mais acidentes na Avenida da Américas. Quem se dispuser a passar meia hora parado, contando os carros que avançam o sinal fechado, há de não ter mais dedos já no segundo vermelho. Nem a clássica paradinha eles dão; seguem como se ninguém precisasse fazer o retorno. Pois dessa vez foi comigo.

Eu vinha da casa da minha namorada, a não mais de 4 quilômetros do meu condomínio. Estava a um minuto de casa quando as paredes do meu mundo pareceram se fechar. Não chegou a tanto: era só a porta do carro que abaulava para dentro. Um Fiorino veio a toda velocidade, pé embaixo, desreipeitando não só o sinal fechado como o limite de 60 km/h e bateu com violência contra a dianteira direita do meu Peugeot. Mas até então eu só sabia que não chegaria em casa tão cedo quanto imaginava.

- Cadê meus óculos?

Eu estava cego. Seis graus de miopia fazem alguma diferença, pode acreditar. Em algum lugar jazia meus óculos, mas como encontrá-los sem eles? É para evitar esse tipo de situação que eu sempre os ponho no mesmo lugar na hora de dormir. Um pouco para lá ou para cá e eu tenho que me virar com o tato para achá-los.

Saí do carro. Eu estava em posição perigosa, faixa central de uma avenida de alta velocidade - deveria ter um máximo de 60 km/h, mas tudo bem - e eu sem enxergar quem vinha ou ia. Uma senhora simpática - não saberia descrevê-la - parou ao meu lado. Ela tinha visto tudo, estava parada no sinal quando tudo aconteceu. Sabia, portanto, mais que eu.

- Que maluco! Ele avançou o sinal em cima de você!
- Ele esta aí? Fugiu?
- De onde ele está não foge. Veja!
- Não estou vendo nada! Meus óculos caíram em algum lugar.

Foi só pôr as mãos no tapete do carona para ter meus olhos de volta. Só então eu vi o estrago: a lateral direita estava toda amassada e a dianteira já não existia. Óleo na pista, e por sorte o tanque de combustível não abriu, porque estava tudo destruído em volta da portinhola. Não acreditei que eu estava andando depois de ter sofrido um acidente com tanta força.

A Fiorino estava emborcada na grade de um parquinho. Domingo à noite, nenhuma criança brincava ali. Ainda que fosse dia, não me lembro de já ter visto alguém ali... O motorista, desolado, dizia não saber o que aconteceu.

- Não vi o sinal. Estava saindo dos carros que faziam o retorno, e quando dei por mim, estava na sua direção. não deu tempo de frear. Tentei desviar, e tudo que consegui foi evitar bater na sua porta. O estrago teria sido maior.

Outros tantos apareceram para ajudar. Estavam jantando no japonês ou na pizzaria, não sei, mas correram ao ouvir o estrondo da batida. Surgiu até uma máquina fotográfica digital, de uma senhora que dizia Ter vindo de uma festa infantil, e agora se dispunha a me ajudar. As fotos poderiam servir mais tarde como prova.

Dispensável dizer que eu tremia. Nunca foi tão difícil usar o celular, as teclas pareciam menores que nunca. Discava um, saía outro, nem sempre vizinho. Minha mãe não atendeu. Tentei minha namorada. Sim, alguém para me ajudar. Amor, bati com o carro, vem para cá. E só depois consegui falar com a minha mãe, pelo telefone do namorado dela. Já estavam pagando a conta do restaurante e vinham me encontrar. Disquei 190, plantão da polícia, e aquela musiquinha insuportável de espera, tanto mais insuportável quanto maior a espera.

- Polícia Civil, boa noite, em que posso ajudar?

Enquanto eu lhe explicava o que tinha acontecido, encostou uma viatura. Agradeci ao rapaz e fui receber o policial. Carregava um fuzil nas mãos, não bem para que frente àquela situação.

- Tem algum ferido?, ele perguntou.
- Não, eu e ele estamos bem.

Chegaram também os Bombeiros e perguntaram de novo a mesma coisa. Tudo ok. Isolaram a área com cones, pois até então o carro estava no meio da pista e a cada sinal aberto um novo acidente se insinuava. E de alguma forma, não sei bem com que força, conseguiram remover no braço o carro do lugar e encostá-lo ao meio-fio.

Os policiais preparavam o Boletim de Ocorrência, os Bombeiros trabalhavam ao seu modo, e as pessoas se aglomeravam. Minha família, amigos do meu irmão, minha namorada e o pai... até o meu pediatra apareceu por ali.

Depois de liberado, ainda fui para o Lourenço Jorge, um amigo estava de plantão na Ortopedia. Nada de mais: uma entorse de joelho, e contraturas musculares por aqui e ali.

São e salvo, voltei para casa. A vida continua. E os motoristas continuam a avançar o sinal vermelho.

"O abacaxi de ferro" e outros contos borgeanos


Borges é um sobrenome de luxo. A música brasileira que o diga, com Lô, Márcio, Telo, e toda a dúzia de irmãos. E até na literatura portenha eles estão, representados pela figura de Jorge Luiz. Pois é sobre esse grande escritor que eu pretendo falar. Em outra ocasião eu falo da família mineira.

Não conheço quase nada de Jorge Luiz Borges. Isso não é um elogio à minha pessoa, muito pelo contrário. Na verdade, de textos dele, contos, poemas, ensaios, nunca li nenhum. O único que eu li não é dele, um e-mail desses que passam por todo mundo, com mensagenzinha bonitinha, geralmente atribuído a um autor famoso. Não, "Intenções" não é dele, apesar de vários sites em diversas línguas dizerem que é.

Essa lacuna em minha vida foi parcialmente preenchida com o livro "Contos fantásticos no labirinto de Borges", de Bráulio Tavares. Trata-se de uma antologia de contos com temática borgeana escritos por autores clássicos. Participam nomes como Franz Kafka, Robert L. Stevenson, Nathaniel Hawthorne e Ambrose Bierce, figuras eminentes da literatura fantástica; Ellery Queen, Edgar Allan Poe, G.K. Chesterton, representando o gênero policial; Ray Bradbury e H.G. Wells, para não deixar a ficção científica de fora. Também foram selecionados alguns autores admirados por Borges, mas desconhecidos no Brasil, como Nelson Bond, Léon Bloy e Lord Dunsany. Os dezoito contos têm em comum uma referência à extensa obra de Jorge Luiz Borges: seja pelo fato de ele ter usado a mesma temática, ou por se referir à obra em seus ensaios, ou por simplesmente admirar o tal artista.

Antes de cada conto, Bráulio Tavares apresenta uma brefe biografia do respectivo autor e o motivo de ter sido escolhido para a antologia. Mas o grande trabalho dele nesse livro - além de selecionar dezoito contos num universo gigantesco - é o posfácio, uma biografia de Jorge Luiz Borges contada através da sua obra literária, com referência aos contos aqui presentes.

E, para terminar, um pequeno teaser, o primeiro parágrafo de "O acabacaxi de ferro", de Eden Phillpotts (1862-1960), escritor inglês um tanto desconhecido por aqui. Esse conto foi incluído na antologia "Los mejores contos policiales", de Borges e Adolfo Bioy Casares.

"Escrever será para mim reconfortante. Foi reconfortante contar a minha esposa, mas o conforto foi-se quando ela se recusou a acreditar no que eu contava e sugeriu enviar-me a um médico.

sábado, janeiro 07, 2006

Top 5 Retrospectiva 2005

5.
Uma semana de "férias", fomos eu e Sabrina para Gramado e Canela. Eu, que nunca tinha atravessado o Trópico de Capricórnio, venci mais uma barreira geográfica. Muita comida gostosa, muitos passeios bonitos, muito, mas muito frio... e ainda curtimos, de quebra, a Semana Farroupilha na capital gaúcha.

4.
Muito estresse às vésperas do fechamento dos trabalhos para o Congresso Brasileiro de Endocrinologia Pediátrica valeu a pena. Eu já tinha apresentado vários pôsteres em encontros científicos, mas dessa vez um dos meus trabalhos foi selecionado para Apresentação Oral. Tive que deixar minha gagueira fora do palco. E ainda tive que me virar com as perguntas do público!

3.
Duro, muito duro, já tinha desistido de ir ao show do Nektar quando uma promoção da Rádio Cidade me deu novas esperanças. Liguei, e meia hora depois, a notícia: havia ganho um par de ingressos na primeira fileira do Canecão. Ainda bem que eu fui: que maravilha de show! Rock progressivo de primeira! E ainda levei um camarada de lambuja.

2.
Emendei o fim da Residência com um contrato temporário de Professor Substituto da disciplina de Endocrinologia. Preparei e ministrei duas aulas (na verdade, a mesma, repetida no 1º e 2º semestres) para o 4º ano da faculdade. Ainda academicamente, consegui o Título de Especialista em prova no congresso de Aracaju.

1.
Sob efusivas e insistentes tentativas de me fazer equilibrar sobre uma bicicleta, finalmente eu aprendi a andar em duas rodas. Nos últimos dias do ano, em uma investida irresponsável pelo condomínio, quase fui atropelado por um carro, mas tudo bem. Saldo positivo: corrigi uma falha importante no meu currículo.

sexta-feira, janeiro 06, 2006

Um dia de Van Helsing


A chave gira barulhenta na fechadura, uma volta, mais outra e uma terceira. Quem está aí, alguém chora dentro do apartamento. Quem está aí, repete agoniada, a voz trêmula, cada vez mais, de quem o medo já dominou. Quem está aí, um terceiro, irritada com quem está ali e não responde. Desiste de perguntar, encolhida como diminuindo o alvo que sua silhueta forma na escuridão, não quer mais saber, não lhe interessa, teme a resposta.

- O que foi, mãe?
- Ah, meu filho, ainda bem que você chegou. Tem um morc...aaaaaaaaaaah!

Entre gritos e sussurros, aconteceu que um morcego entrou por engano pela janela da cozinha, por engano ou pelos cachos de banana, pelos mamões e mangas amadurecendo fora da geladeira, vai saber, voou desnorteado até o quarto, atrapalhou sua novela, que não era "O Beijo do Vampiro" nem nada. Entre gritos e sussurros, gritos quando o morcego investia pelo corredor, procurando um equivalente ultra-sônico para saída, sussurros quando ele voltava para o quarto, como um segredo que o coitado não pudesse escutar.

- Feche a porta do meu quarto!
- Com o morcego dentro ou fora?

Importante saber. Mas, sem esperar a resposta (óbvia), a porta bateu. Com ele fora, claro. Depois de rodar e rodar pelo corredor, o morcego encontra um outro quarto, com o armário aberto e um canto escuro onde ele pode se sentir em casa. Finalmente, ele deve ter achado, daqui não saio mais, entre roupas e tralhas.

Se achou, errou, porque saiu num instante. O cérebro do homem é maior e computa mais informações por segundo que o do morcego, e por isso, pensando pensando pensando, não tardou a idéia de como fazê-lo ir embora. Blam, faz a porta do armário, num vai-e-vem violento, tão sonoro que deve ter feito um belo estrago nos ouvidinhos sensíveis do morceguinho.

Voa, morceguinho, voa! Com a janela aberta e a cortina arregaçada, o quiróptero a essa hora já está na sua árvore de predileção, procurando sua morceguinha com seus potentes ultra-sons.

- Oh, meu herói!

Prayer for the dying


Imagem: Primavera, Anuska

Lidar com a vida (ou melhor, com a morte) humana é uma barra. O médico pode optar pela Endocrinologia, e assim se manterá afastado dessa problema na maior parte do tempo. Não é como a Oncologia, a Cirurgia Cardíaca ou a Terapia Intensiva. Mas mesmo o endocrinologista precisará estar ao lado dos seus pacientes à beira da morte.

Sofre o paciente (ou não, com tantos sedativos e analgésicos), sofre a família. E também sofre o médico. Quem pensa que não, lamento muito, vê o médico como um iceberg, montanha insensível de gelo.

Como pedir uma necrópsia? A hora em que a família acaba de se ver diante de um vazio ainda não preenchido é o pior momento, mas o único possível. Por vezes, é inevitável: segundo a Constituição Brasileira, a necrópsia é obrigatória em casos de morte violenta (por causas externas), suspeita ou não assistida. Nos outros casos, o fornecimento do atestado de óbito é obrigação do médico assistente, sendo a necrópsia realizada apenas em caso de autorização da família.

Não dá para culpar alguém por não autorizar. Posso ficar chateado, irritado, sobretudo quando o motivo é nobre, mas eu compreendo. Só espero que não pensem mal de mim por ter tentado. Fiz de tudo, mesmo quando esse tudo é paliativo, que estava ao meu alcance. Mas não está ao meu alcance, em nenhuma hipótese, sobretudo em caso de câncer metastático, fazer de alguém imortal.

A não ser em minha memória.

Vera Lúcia, durma bem.

quarta-feira, janeiro 04, 2006

O que é Taryn?


Taryn não é Billie Holiday.
Taryn Não é Ella Fitzgerald.
Taryn não é Janis Joplin.
Taryn não é Mama Cass.
Taryn não é Elis Regina
Taryn não é Donna Summer.
Taryn não é Cássia Eller.

Taryn não é, nem tenta ser, ninguém além de Taryn Szpilman.
É filha de Marcos Szpilman, maestro da Estácio Rio Jazz Orchestra, mas conseguiria o que quisesse apenas com a sua voz. Ser reconhecida por e cantar junto com músicos do nível de Andy Summers, guitarrista do The Police, Victor Biglione, Roberto Menescal, Zeca Baleiro, George Israel, entre tanta gente de gabarito nos mais diversos estilos. Mas chega um ponto em que a referência é inversa: não tardará o dia em se falará de alguém como "aquele que toca com a Taryn".

Conheci Taryn, não num night-club, nem numa casa de espetáculos, mas na sala de aula do 2º grau do Centro Educacional da Lagoa. Já era uma figura diferente, e enquanto pensávamos em nos tornar médicos, engenheiros, advogados, administradores, ela já tinha a certeza de ser uma estrela. Não por pedantismo ou metidez, mas pela confiança naquilo que tinha de melhor: sua voz.

Nascida em família com o DNA escrito em pauta musical, seu talento foi reconhecido e estimulado pelo pai. A primeira vez que a vi cantar, foi uma total surpresa: minha mãe me convidou para uma apresentação da Rio Jazz Orchestra no Mistura Fina. O setlist pretendia ser uma espécie de resumo do jazz no século XX. Na última música, já no bis, o maestro Szpilman teve a honra de chamar ao palco sua filha para, junto à orquestra, cantar "What's Goin' On", de Marvin Gaye. Surpreso por reencontrar ali, no palco, minha colega de turma; surpreso por ouvir uma música mais para o soul no repertório de uma banda de jazz.

Mais tarde, soube que Taryn se apresentava às tardes de sexta-feira no Rock in Rio Café, acompanhada por um teclado e uma guitarra, cantando os sucessos da disco music. Por muito tempo, eu e amigos do colégio íamos semana após semana, não para comer um sanduíche gigante, não para beber drinks coloridos, mas para ouvir aquela cantora que não queria ser Donna Summer ou Earth Wind & Fire, e sim dar àquelas músicas uma interpretação própria. Não ia mencionar que a gente subia no palco para fazer coreografias porque o objetivo é falar dela, e não pagar mico, mas enfim...

Às vésperas do Rock in Rio III - Por um Mundo Melhor, organizou-se uma Escalada do Rock, festival-concurso de bandas independentes e iniciantes que colocaria uma banda a cada dia da Tenda Brasil e levaria o primeiro lugar a abrir o último dia de festival. A banda Eletrofluminas, com Taryn no vocal, era voltado para o rock eletrônico, recheando com samplers e scratches composições de Led Zeppelin misturadas com uma sopa de músicas próprias, de Alceu Valença e tudo mais. Infelizmente, a apresentação na semifinal não foi das melhores, o som não ajudou, e não conseguiram se classificar para o festival. Mas a versão para "Black Dog" é antológica!

Quando a época disco já tinha acabado e ninguém mais falava de Rock in Rio café, reencontrei a Rio Jazz Orchestra por acaso num passeio pelo shopping Barra Garden. Ouvi um saxofone ao fundo, e quando fui procurar a origem, era a orquestra tocando na Praça de Alimentações. Foi quando eu percebi que ela já era praticamente um componente fixo da banda dirigida por seu pai. Ele não era bobo de perder uma voz daquela como crooner dos seus arranjos jazzísticos!

Não pude ir ao Centro Cultural Estácio de Sá quando Andy Summers veio tocar em parceria com Victor Biglione, e Taryn foi convidada para uma participação especial. Mas não perdi quando ela e Biglione prestaram, na mesma casa, uma homenagem aos blues-rock dos anos 60 e 70, num repertório que incluía Cream, Jimi Hendrix, Rolling Stones, etc.

A maior prova de sua versatilidade veio com o show em homenagem a Billie Holiday. Não poderiam ter encontrado melhor intérprete para essa apresentação da Estácio Rio Jazz Orchestra. Taryn alterna o canto em sua própria voz com falsetes imitando a diva do jazz norte-americano. Poderia soar forçado, mas não. Poderia engasgar na hora, mas não. Poderia... poderia tanto, mas o resultado não foi menos que perfeito. Na minha humilde e leiga opinião, esse show virasse DVD, seria sucesso até em New Orleans!

E tanto mais. Do jazz à múisica eletrônica, do blues à disco. Até chegou a participar da gravação, no Metropolitan (ou como quer ele se chamasse na época, eu vou sempre chamar de Metropolitan), de uma espécie de "We are the world" brasileiro, uma música pela inclusão social, ou coisa assim, com várias figuras importantes da música brasileira. Mas isso foi há dois anos, no início de 2004. Agora Taryn lança seu primeiro disco, tão rock n' roll quanto o seu show de promoção, em meados do ano passado, no mesmo Centro Cultural Estácio de Sá que tantas vezes abrigou seus shows. Tem música de Frejat, Zeca Baleiro, e "Votos Partidos", com letra inspirada por poesia de James Joyce.

Vale a pena uma visita ao seu site: ele conta o resto da biografia que eu não falei, tem extratos do novo disco para ouvir, e uma "rádio online" com seis músicas cantadas por ela.

terça-feira, janeiro 03, 2006

Mais uma garotagem no Rio


Quem é esse cara?, quero ver alguém responder!

Bom, como o objetivo principal não é a trívia, eu digo: é o Excelentíssimo Senhor Pedro Ernesto do Rego Baptista, médico e político pernambucado radicado no Rio de Janeiro. É lembrado como defensor das populações de morro, desde sua vida acadêmica, quando subiu às favelas durante a Revolta da Vacina, convencendo a todos da necessidade da vacinação irrestrita, até como interventor do Distrito Federal e prefeito do Rio de Janeiro, quando concedeu subvenção pública a escolas de samba.

O hospital que leva o seu nome foi inaugurado em 1950 e incorporado à Universidade do Estado da Guanabara (UEG), atual UERJ, por Carlos Lacerda em decreto de 1961.

Fim do momento histórico, voltemos aos dias de hoje. Esse tal de Pedro Ernesto deve estar se retorcendo no túmulo, na qualidade de padrinho do hospital universitário, tanto quanto como político defensor dessa nossa cidade.

Difícil comparar a década de 30 com os anos zero-zero do novo século. Mas vejamos o que a governadora Garotinha tem feito. Entre outros graves defeitos administrativos, quero falar de um especial: ela brinca com pontos facultativos como quem quer uma desculpa para não trabalhar. E, não trabalhando, não deixa que os outros trabalhem. Simples assim. No meu tempo de escola, o Carnaval começava no sábado e se estendia até a 4ª feira; eu já sabia, no entanto, que gente grande ia para o trabalho na segunda-feira, que a quarta-feira de cinzas era meio expediente... Há dois anos, coincidência ou não, desde que a Menininha ocupa o Palácio Guanabara, tornou-se ponto facultativo a sexta-feira anterior e o restante da semana logo após, totalizando um feriado de 10 dias. Se fevereiro já é curto, agora então...

Em feriados, assim como nos domingos, sábados a partir de meio-dia e dias úteis a partir das 17h, o Hospital Pedro Ernesto funciona em regime de plantão geral. O plantão, no entanto, não é responsável por alterar condutas frente ao paciente, por admitir e dar alta... O plantão, sim, presta assistência aos pacientes mais graves, atende às intercorrências e tal. Como uma força suficiente para anular o atrito e manter o hospital em movimento uniforme. Não é abuso da imaginação pensar o que pode acontecer em um feriado de 10 dias, não por erro médico, mas pela falta de uma rotina responsável pela conduta.

Natal e Ano Novo caem sempre nos mesmos dias da semana, qualquer um já deve ter percebido isso, a diferença de exatos sete dias entre um e outro. Assim como a trinca 07 de Setembro, 12 de Outubro e 01 de Novembro. Esse ano, para infelicidade da maioria, Natal e Ano Novo caíram sábado e domingo. Sem feriado, portanto.

Seria o óbvio, mas não quando a Sra. Manezinha está no governo. Eu posso decretar ponto facultativo? Eba!, como quem a mamãe permite cabular aula depois que as provas acabaram. Só que ela ficou de prova final, e até segunda época, mas e daí? Eu posso, eu posso, eu posso!

E tome decreto no Diário Oficial: pontos facultativos dias 23 e 30 de Dezembro, e 02 de Janeiro. Já não se trabalha mais em véspera de feriado... agora tampouco no dia seguinte. Se a Pirralhinha for reeleita, talvez daqui a um tempo a gente consiga unificar o Natal e o Ano Novo num mesmo feriado!

Feliz ano novo!


Pela segunda vez eu passo o réveillon em Angra. Ano passado, fomos de veleiro até a Enseada do Sítio Forte, na Ilha Grande, depois de dois dias de muito sol sem filtro solar. Fizemos a ceia no barco e pegamos o bote até a praia, onde um restaurantezinho fazia uma festa. Fomos, não tanto pela festa, que não tinha nada de mais, mas pela companhia das pessoas que tínhamos conhecido mais cedo.

Esse ano, recebi um convite para ir de penetra numa festa de R$200,00. Não é muito a minha cara, e recusei a proposta. Se fosse para isso, eu iria para Teresópolis, na casa do meu avô, onde estariam alguns tios e primos, inclusive a parte brasiliense, que raramente vem ao Rio. Outras opções continuaram a aparecer, e acabamos por escolher uma mal combinada parceria com a Bia, amiga da Sabrina.

Tudo está bem quando acaba bem, já dizia o sábio Shakespeare, e apesar da combinação torta, tudo correu às mil maravilhas - depois que já estávamos todos juntos.

Para quem não está entendendo nada, vamos começar do começo.

Dia 30, sexta-feira, fui com a Sabrina para o Hospital de Cardiologia de Laranjeiras, onde ela faz residência. Ela tinha que passar visita nos pacientes internados, e eu estava de ponto facultativo, uma espécie de desculpa que a governadora Garotinha adora usar para não trabalhar. O Hospital Pedro Ernesto, estadual, funcionou em regime de plantão na véspera do feriado.

Mas enfim... de Laranjeiras nós saímos às 10h direto para Angra dos Reis. Já imaginava pegar um belo trânsito na estrada. Ainda no Rio, tudo fluiu bem, a Avenida Brasil vazia e tal. Na bifurcação para a Rio-Santos, uma retenção eterna, culpa do planejamento incompetente para aquele trecho: como da Avenida Brasil pode sair a Rio-Santos numa agulha de uma só pista? Numa analogia com a Medicina, é praticamente a fisiopatologia do edema agudo de pulmão, uma insuficiência crônica que, com o alto fluxo dos feriados, provoca acúmulo de carros e congestionamento. Os espertinhos começam a tentar avançar pela contramão, pelos acostamentos, aumentando a pressão venosa e abrindo a circulação colateral.

Engenharia de Trânsito e Cardiologia são praticamente a mesma coisa.

Dali só fomos pegar mais retenção em Itaguaí. Aí foi engarrafamento de verdade, o motivo por termos demorado uma hora a mais para chegar à Marina Bracuhy. Mas vale a pena: toda vez que vou e volto de Angra eu repito que não existe lugar no mundo com vista mais bonita que das curvas da estrada de Santos. Aquele mar verde-e-azul emoldurado pela Mata Atlântica, as 365 ilhas nadando em água morna... e pensar que eu só descobri essa maravilha há dois anos, quando fui pela primeira vez para o veleiro do sogro. É bem verdade que, quando eu era pequeno, minha família costumava ir para Ibicuí, uma praia de Mangaratiba, mas de lá eu só lembro que a linha do trem passava bem em frente à casa e a gente brincava com as pedrinhas que acolchoavam os dormentes.

O tempo estava bom, e assim que chegamos ao veleiro, saímos para passear. Nos dois dias, fomos a Paquetá, Itanhangá, Cunhambebe, ao Blue Tree Park, com vela a um máximo de 6 nós (cerca de 11 km/h).

Já no dia 31, sábado, voltamos no fim da tarde da praia de Cunhambebe com um esboço de chuva, menos que garoa, aproados a um belo arco-íris de despedida do ano de 2005. Foi a única chuva que pegamos, apesar de os meteorologistas afirmarem que a frente fria chegaria até no máximo o sábado. Estou esperando até hoje.

Voltamos para nos arrumarmos. Sônia e Jorge, os pais da Sabrina, ficariam na festa da Marina Bracuhy, enquanto nós dois iríamos para a condomínio da Bia, de onde sairíamos para a casa de uns amigos da família dela. A festa é boa quando nós a fazemos boa, é o que eu penso, e mesmo que fôssemos para uma festa de família, de uma família que não conhecíamos, ainda havia esperança de que pudéssemos fazê-la boa. E não me decepcionei. Todos nos receberam muito bem, comemos, bebemos, conversamos e tudo mais que pode ter em uma festa bacana.

À meia-noite, os fogos estouraram por toda a orla, uns melhores, outros mais sem graça. O céu noturno, escuro ainda que estrelado, coloriu-se em bolas e corações e cascatas. Mais champagne, mais comida e... tiveram a (infeliz) idéia de andar até o clube. Na areia da praia um segurança nos interpelou, dizendo que a "taxa" (se ingresso ou caixinha de fim de ano, sei lá...) custaria R$100,00 por pessoa ao dono da casa. A gente vai até lá e vê se está legal; se estiver a gente paga, se não a gente volta, respondeu um dos (muitos) advogados do grupo. A música até que estava legal, até que lá pelas tantas, uns dez minutos depois de chegarmos, acabou a luz. Provável sobrecarga na rede, incapaz de suportar um evento daquele tamanho. Disseram que ano passado aconteceu a mesma coisa. Será que não percebem que precisam diminuir a quantidade de gatos?

Voltamos umas 2h da manhã, e nos metemos numa festa na praia do condomínio Porto Real, em frente ao apartamento da Bia. Um DJ tocava para grande quantidade de gente espremida na areia. Assim que chegamos, começou um set de músicas bregas dos anos 80, coisa que era ruim na época e agora é cult. Sidney Magal, Gretchen, Xuxa, Paquitas... e uma que eu gosto, mas aí é covardia: Plunct Plact Zum, do Raul Seixas para o musical infantil de mesmo nome. Emendou com axé music ("música baiana" é um desrespeito ao próprio Raul, a Gil, Caetano, Gal Costa, João Gilberto, família Caymmi...), funk... Acho até que demoramos para subir!

No domingo, primeiro dia de 2006, pegamos a estrada cedo. Mais tarde o engarrafamento aumentaria; no dia seguinte teríamos que trabalhar. Saímos 12:30 e em 1h40 chegávamos no Rio, na casa da Sabrina. Quem veio mais tarde, pegou muito trânsito; mas não tanto quanto quem tentou ser esperto e voltar na segunda-feira: o engarrafamento na estrada de Santos chegou a 20 km!

Mas a nossa volta não foi sem um custo: bem à hora que saíamos do condomínio, o pessoal da casa pegava a lancha para um passeio pela baía, por Ilha Grande, e uma passada pela procissão de ano novo. Esse último eu dispenso, mas de resto teria sido bem legal. Enfim...