quinta-feira, dezembro 29, 2005

Ateu ou agnóstico?


Em primeiro lugar, qual a diferença?

Eu costumo dizer que sou ateu, só para não ter que ficar me explicando, mas na verdade eu sou mesmo é agnóstico.

Para mim, Deus é um conceito inatingível pela razão. E a razão, a ciência, a lógica são minhas principais armas.

Sendo inatingível, eu não posso dizer "EXISTE" (crente) ou "NÃO EXISTE" (ateu).
A posição do agnóstico é "ACREDITAR QUE NÃO EXISTE", e não ser taxativo quanto à inexistência, como o ateu, tão pragmático quanto o crente. Se Deus existe, eu nunca vi, e nem conheço quem possa me mostrar por a + b que Ele existe. Se é uma existência assim tão tanto-faz, então eu não preciso me preocupar com isso.

Minha visão é a mesma da cientista de "Contato", de Carl Sagan. A Dra. Ellie Arroway (Jodie Foster, no cinema) passa por uma experiência, para ela real, mas da qual não restaram evidências. E, sem poder provar aos outros, entende que sua viagem não seja levada em conta pela comunidade científica.

É uma metáfora para a revelação religiosa. Quem passa por aquilo realmente viveu uma experiência particular; mas como nunca aconteceu comigo, e quem passou não tem como me comprovar, viva a Navalha de Occam.

Na minha opinião, se há(houve) algo que se possa chamar Deus, não é alguma coisa que mexa com a nossa vida se nós rezarmos, que dá parabéns a quem ajuda o próximo e pune quem faz bobagem; as coisas acontecem por um somatório de livre-arbítrio com leis da Física já descobertas e ainda por descobrir. Se existe(iu) Deus, é o que está por trás do que Tomás de Aquino chama de "primeiro imóvel a ganhar movimento", ou o "primeiro efeito sem causa". Um matemático criador das leis do universo, autor do sopro big-bângico. Daí para frente as coisas aconteceram porque tinham que acontecer, um carbono com outro carbono, com um oxigênio, um nitrogênio, e eis um aminoácido, um ácido ribonucléico, uma proto-bactéria, moneras, protistas, até essa coisa feia e mal acabada que chamamos de homem.

E não pára por aqui, daqui a pouco esse tal de ser humano já vai ter se transformado em outra coisa muito mais feia e um pouco menos mal acabada.

segunda-feira, dezembro 26, 2005

Top 5 Músicas para o Fim de Ano

5. Don't Worry, Be Happy - Brian McFerry
Todos os sons saem diretamente da boca desse camarada, multiinstrumentista vocal. Parece uma orquestra, mas não, é só ele. A música virou referência obrigatória na hora de repetir o que o seu título diz: não se preocupe, seja feliz.

4. All We Need Is Love - The Beatles
A música da superação: o impossível não existe; não há nada que não possa ser feito, que não pode ser cantado, que não pode ser sabido... simplesmente não há: "All we need is love" para que tudo seja possível. Se esse tudo incluir que as guerras acabem, que a violência urbana pare, que os políticos trabalhem, que... que o impossível aconteça..., bom, então vamos amar. Muito!


3. Bridge over Troubled Water - Simon & Garfunkel
O pop internacional é recheado de letras sobre a amizade, estarei ao seu lado quando você precisar, e tal, mas nenhuma tem a poesia de Paul Simon com a voz de veludo de Art Garfunkel. Dizer que a amizade, por ser "Like a bridge over troubled water / I will lay me down" é uma demonstração de solidariedade que o mundo inteiro está precisando. Que todos se curvem para ajudar, não só aos amigos, a todos que estiverem em necessidade.

2. Pride (in the name of love) - U2
A música em homenagem a Martin Luther King nunca perde a data de validade. E por não falar abertamente o nome do homenageado - reconhece quem sabe a história, "Early morning, April 4th / Shot rings out in the Memphis sky / Free at last, they took your life / They could not take your pride" - serve para qualquer acontecimento de cada edição do jornal.

1. Happy Xmas (war is over) - John Lennon
Pode ser clichê, e blablablá, mas essa música é eternamente atual. Com a guerra do Vietnam correndo solta, Lennon pergunta: e o que você fez? Mas só foi ganhar o devido reconhecimento depois da morte do compositor, chegando ao número 1 da Billboard naquele Natal de 1980. Hoje, fica a pergunta: com tudo acontecendo à nossa volta, Iraque, Palestina, Israel, Congo, Timor, Venezuela, Haiti... and what have you done?

Como aprender edmotês em braille


"Aystelum", novo disco de Ed Motta, foi lançado no início do ano, mas se formos depender da imprensa jabá-dependente para conhecermos a obra, estamos ferrados e mal pagos. Eu não tinha sequer ouvido falar, nem do disco, nem dessa palavra título, tão edmotês quanto "Dwitza" e "Poptical", nomes dos dois álbuns anteriores.

O que de largo Ed Motta tem em sua circunferência abdominal, também tem no espectro de suas influências musicais, no grau de conhecimento sobre os mais diversos assuntos - de vinhos e cervejas a histórias em quadrinho, passando pelo cinema europeu, literatura de mistério, culinária internacional etc. Nada é suficiente, sempre é possível aprender mais um pouco, aprofundar-se naquilo que já sabe tanto, mas hoje um pouco mais que ontem. Em alguns, esse espírito se traduz em novas importantes decobertas científicas, explicações para o que antes se assumia inatingível; em seu caso, surgem ritmos, harmonias e melodias inimagináveis, combinações insólitas com um grau de acerto altíssimo, próximo aos 100%.

Deixando elogios genéricos, voltemos a "Aystelum".

Pegue duas xícaras de free-jazz, as mesmas xícaras de Miles Davis, John Coltrane, Chick Korea; adicione quatro colheres de sopa de samba de raiz, e mexa bem, como mexeria Nei Lopes e Alcione; a essa massa misture três punhados de musical da Broadway, com punhos tão grandes quanto de Claudio Botelho, Charles Moëller e Stephen Sondhein; complete com soul e rhythm & blues a gosto, ao gosto do Ed Motta e não ao seu, tipo Stevie Wonder e Steely Dan.

Et voilà! Sua receita está pronta. Não é fácil de preparar: primeiro, é preciso ter muita visão para misturar ingredientes tão diferentes e ter certeza que o resultado não vai ser decepcionante. Um de menos aqui, um de mais ali, e o cozimento desanda. Mas com Ed Motta de Mestre Cuca, e provavelmente ele adoraria essa metáfora, a massa segue saborosa para a mesa do gourmet.

A banda base é formada por Andrés Perez (sax tenor), Jessé Sadoc Filho (trompete), Renato "Massa" Calmon (bateria), Alberto Continentino (baixo), Paulinho Guitarra (óbvio), Rafael Vernet (teclados mil) e Ed Motta (voz e teclados). Aqui e ali, convidados mais que especiais se somam ao grupo, como Laudir de Oliveira, ex-baterista do Chicago; Armando Marçal, ex-percussionista do Pat Metheny Group; e Alcione, cantando em dueto com o dono da festa.

O disco começa com Awinism, um jazz tão free quanto a sua criação lingüistica, que pode ser traduzido como "Jessé incorpora Miles Davis numa sessão espírita dentro do estúdio".
Segue-se com Pharmacias, uma parceria de Nei Lopes com Ed Motta que resultou numa quimera: a letra cantada é puro samba, o acompanhamento é puro jazz. Não fica forçado e nem atravessa, o que é mais impressionante. Mostra que há sempre um caminho por onde fugir para quem quer inventar. A letra é bonitinha, nostalgia dos tempos em que Farmácia se escrevia com PH, com seus tônicos, infusões e ungüentos.
Aystelum, a faixa-título, conta com os vocalises em edmotês que marcaram o disco "Dwitza", sua estréia no instrumental cantado. Ele conversa com o trompete, sem palavras, e se entende perfeitamente o que eles querem dizer. O ouvinte fica, como eles... sem palavras.
É muita gig, véi! quer dizer muito trabalho no estúdio, na gíria dos músicos, e dá nome à quarta faixa do disco. Ed Motta inventa: o pedal de wah wah geralmente distorce o som de guitarras, ocasionalmente de baixos, mas ele resolve usar no teclado para distorcer o timbre do piano. O efeito é, no mínimo, sui generis. Só ouvindo para entender.
Samba azul traz a participação especial de Alcione cantando mais um samba de Nei Lopes, esse mais com cara de samba, mas que, se em inglês, poderia ser cantado igualzinho por uma Ella Fitzgerald e aí chamaríamos jazz. É tudo uma questão de ponto de vista: o jazz deles e o nosso samba têm vários genes em comum.
Segue-se com Balendoah, uma versão jazzística do musical "7", parceria de Ed Motta com os autores da Broadway carioca, Claudio Botelho e Charles Moëller. As três faixas seguintes são tiradas do próprio musical: Abertura, que não por coincidência ocupa a sétima faixa, Na rua e Canção em torno dele. Trazem Suely Franco no papel de "Velha senhora", Marya Bravo como "Cartomante", Alessandra Verney e Gottsha como "Prostituta 1 e 2", respectivamente, e Cristiano Gualda fazendo o "Jovem".
Depois do passeio pela Broadway, A charada traz o bom e velho Ed Motta em parceria com Ronaldo Bastos, o bom e velho funk-soul-R&B de outros carnavais.
Patidid é uma musiquinha animadinha, como um jazz de big band pautado no sax e trompete, a cozinha acompanhando, e o vocal em edmotês correndo solto. Pena que é curtinha: não dá para botar numa pista de dança porque, quando as pessoas finalmente vencessem a inércia, já estaria no fim.
Tudo termina com Guezagui, uma música bem mais-ou menos, só para terminar mesmo. Ed Motta fica repetindo o título, seja lá o que isso signifique (não que importe) em meio a outras frases em sua língua particular. Solos simples, como se já estivessem cansados de tocar ao longo de todo o disco, a base tão repetitiva quanto o canto, Guezagui Guezom...

Podia acabar melhor o que antes foi tão bom! Mas que não seja por isso: o disco vale muito a pena para quem quer fugir do marasmo do pop radiofônico e das críticas como cheiro de jabá.

quinta-feira, dezembro 22, 2005

Fluxo de pensamento


Da última visita à biblioteca borgeana do meu avô, em Teresópolis, devolvi os Asimovs, "Solaris" e "Incidente em Antares", que estavam comigo há um tempão, e peguei mais um que nunca pensei em encontrar ali. Aliás, mais um de quem eu nunca tinha ouvido falar antes de entrar para a OE.

- Vamos ver, qual o próximo?

E, do meio de uma coleção da Abril, saltou "O Jogo da Amarelinha", de Julio Cortázar. Ainda é cedo para falar: estou no meio do livro (ou no início, ou no fim, sei lá, os capítulos são todos fora da ordem...) e achando o máximo. O tal gigante argentino é mesmo um gênio. Entendo a Vera quando diz isso. É difícil, sim, inegável; mas, ainda assim, maravilhoso. Os catchúpicos deveriam tentar, e assim reforçar o catchupismo; os maionésicos também deveriam, porque leriam uma obra divisora de águas.

Morelli me odiaria por usar essa expressão chavão.

***

Um de meus autores favoritos, no outro extremo da classificação de temperos, é Nick Hornby. Esse cara sabe contar uma história! Conheci o escritor britânico na peça "A Vida É Feita de Som e Fúria", baseada no livro "Alta Fidelidade". O filme homônimo, com John Cusack no papel principal, aliás, é de baixíssima fidelidade ao livro.

Nessa obra, Rob Fleming é dono de uma loja de discos e apaixonado por pop, rock, soul e tudo de bom. Seu gosto musical é extremamente parecido com o meu; tanto é que meu irmão e uns amigos criaram um blog para falar de música, inspirados nos personagens do filme. Uma mania de Rob - e seus funcionários Barry e Dick - é fazer listas de Top 5 Músicas para qualquer situação. O livro conta a vida pessoal do dono da loja, e seu rompimento com a namorada Laura, nesse mundo pop-rock em que eles vivem.

***

Top 5 Melhores Músicas de Art-Rock

1) Exit Music (For a Film) - Radiohead (OK Computer)
2) Wheel - Anekdoten (Vemod)
3) The Great Deceiver - King Crimson (Starless and Bible Back)
4) A Whiter Shade of Pale - Procol Harum (A Whiter Shade of Pale)
5) Firth of Fifth - Genesis (Selling England by the Pound)
6) Mother Russia - Renaissance (Turn of the Cards)
7) Nights in White Satin - Moody Blues (Days of Future Passed)
8) In Limine - Finisterre (In Limine)
9) Aqualung - Jethro Tull (Aqualung)
10) Roundabout - Yes (Fragile)

O último é sempre mais difícil, porque exclui todo o resto.

Listas de melhores qualquer coisa varia com o estado de espírito, mas hoje, 2 anos depois de ter compilado essas 10 músicas (no original ainda tinha Top 10 de Pop-Rock, Progressivo Instrumental, Suítes Progressivas, Música Clássica e Música Brasileira), não mudaria nada daí.

***

O disco "OK Computer", do Radiohead, não é para qualquer um. Apesar de não ser considerado rock progressivo ao pé da letra, muitas das características progressivas estão presentes na obra-prima dos anos 90: ritmos quebrados, uma bateria torta, nada convencional, solos desconcertantes, teclados mil, e a presença marcante do mellotron, sintetizador analógico bastante usado pelos grupos de rock progressivo.

A banda que se lançou ao sucesso com "Creep", do primeiro disco "Pablo Honey", em que Thom Yorke cantava "I'm a creep, I'm a weirdo, What the hell am I doin' here?", teve coragem de fugir dos estereótipos do brit-pop e fazer um som totalmente anti-convencional, totalmente fora dos padrões comerciais das grandes gravadoras, ainda que mantivesse contrato com a gigante EMI.

A música "Exit Music (for a Film)" começa com um vocal lento, rascante, acompanhado por um violão:

"wake from your sleep
the dry up your tears
today we escape
we escape

pack and get dressed
before your father hears us
before all hell
breaks loose
"

Nesse ponto, entra o mellotron... A melodia ainda é lenta, e aqui os olhos já se enchem de lágrima...

"breathe keep breathing
don't loose your nerves
breathe keep breathing
I can't do this alone
"

A partir daqui começa o crescendo, o violão se intensifica, o sintetizador polifônico ganha tons mais solenes...

"sing us a song a song to keep us warm
there's such a chill
such a chill

you can laugh
a spineless laugh
we hope the rules and wisdom choke you

now we are one in everlasting peace
"

Nesse último verso, Thom Yorke já está no limite da sua corda vocal, acompanhando nas alturas o mellotron... Os pêlos estão arrepiados, as lágrimas caem aos montes...

Para retornar em decrescendo, ao ponto em que começou, na repetição ad infinitum de:

"we hope that you choke that you choke"

***

Estrutura não-linear, ritmo torto, com técnica ímpar e magnificência de resultados... Isso aproxima a literatura de Julio Cortázar e a música do Radiohead.

Que homenagem maior - a mim mesmo, por que não? - ler o primeiro com o segundo no aparelho de CD? Uma experiência sinestésica sem equivalentes... com aproximações inexatas, por certo, como ver um belo prato de comida com o perfume do manjericão dançando pela sala; ou sentir na língua a pele amada enquanto o toque e o olfato estimulam-se noutras partes; ou... sensações de prazer multi-sensorial.

***

Suzana Herculano-Houzel, professora de NeuroCiências da UFRJ, explica em seu livro "Sexo, Drogas, Rock n' Roll... & Chocolate", através de exemplos vários, o mecanismo cerebral do prazer, e mostra que todas as sensações de prazer extremo, que nos dão um gostoso frio na espinha, ou a expressão americana " butterflies in the belly", têm precisamente a mesma base fisiológica. Seja um orgasmo, seja uma obra de arte, seja uma barra de chocolate, seja um cigarro de maconha... E tudo que dá prazer corre o risco de viciar.

Melhor me viciar em ler um bom livro e escutar uma boa música, portanto.

quarta-feira, dezembro 21, 2005

Acorda amor


Gosto de música clássica, mas até pouco tempo atrás nunca tinha ido ao Theatro Municipal. De um ano (exatamente) para cá, fui quatro vezes: dois balés, uma ópera e um concerto. O que tenho a dizer sobre a casa? Não existe construção mais bonita no mundo (no meu mundo, pelo menos)! Os afrescos nas paredes e tetos, os detalhes de gesso nas pilastras... nossa, que beleza!

A última dessas quatro vezes foi ontem, terça-feira 20, na festa de fim de ano da Unicred, braço financeiro da Unimed. Tínhamos sete convites e acabaram sobrando dois, já que um dos meus irmãos resolveu não ir. Chega a ser um crime ter dois ingressos para o balé "A Bela Adormecida", de Tchaikovsky, e não usar. Mais criminoso é recusar o convite!

Eu conheço a história da princesa Aurora, escrita por Charles Perrault, desde pequeno. Desde os disquinhos coloridos da Disney. Mas algumas coisas são diferentes do que eu lembro: na minha memória, por exemplo, Aurora se fere com uma roca de fiar, e daí cai no sono de cem anos; na versão do balé (já não sei mais qual a versão de Perrault), a bruxa penetra na festa de aniversário da princesa e, fantasiada de anciã da corte, a presenteia com uma rosa. A diferença é de apenas uma letra, roca para rosa, mas enfim, é como eu me lembro.

O balé é maravilhoso, mas não completamente isento de críticas. Gostaria muito de um papo com o cenógrafo: eu lhe perguntaria o que faz um beija-flor e uma arara num conto popular francês. Que eu saiba, são pássaros tipicamente americanos... A floresta que o Príncipe Désiré tem de enfrentar também está verde demais, amazônica demais, para os padrões europeus.

Pode ser implicância minha, ou talvez minha inexperiência com espetáculos desse porte, ou ainda o fato de estar sentado na primeira fila, mas os bailarinos me pareceram um tanto trêmulos e de movimentos instáveis, como não seria natural de se encontrar no corpo de baile do Municipal. Não todos, é claro: os personagens principais se saíram muito bem, e por isso talvez tenham sido escolhidos para os personagens principais. As crianças também foram muito bem: apareceram na Valsa da Bela Adormecida, na cena anterior à entrada da princesa Aurora no salão para sua festa de aniversário, valsaram bonitinho e saíram. Fico imaginando a cara de uma criança ao lhe ser dito: "olha só, você foi escolhido(a) para dançar 'A Bela Adormecida' no Theatro Municipal, tá?" Fico arrepiado de pensar; não que eu gostaria de ser bailarino, mas é a realização de uma vida aos 11 anos de idade!

Preferi "La fille mal-gardée", de Ferdinand Harold, apresentada ano passado na festa de fim de ano da Unicred. Conta a história de uma mulher prometida a um rico fazendeiro, mas apaixonada por um pequeno agricultor. Uma premissa bastante clichê, mas bem desenvolvida, com uma coreografia lindíssima e, principalmente, bem realizada. "A Bela Adormecida" foi bom, mas ficou devendo.

domingo, dezembro 18, 2005

A religião como um meme dawkiniano


Outro lado meu é o da Ciência. Da minha participação no fórum "Criacionismo", no Orkut, surgiu esse meu texto, como resposta a essa primeira posição do membro criacionista Sodré Siman:

"274 fontes além da Bíblia, espalhadas pelo globo, com 43 a 99% de semelhanças, apontam para um mesmo evento..."

Ninguém aqui é criança, mas todos já foram. Uma brincadeira muito comum na infância é o telefone-sem-fio. Não sei se, em outras partes do país, isso recebe outro nome... Pois se trata de uma fileira de pessoas, uma fala uma frase no ouvido da seguinte, e assim sucessivamente, até que a última fala alto o que entendeu. Compara-se, então, com o que foi passado inicialmente. Não raro, a mensagem sai bastante alterada.

Essa é uma analogia (de minha autoria) do que Richard Dawkins propôs, com o nome de meme. São conjuntos de informação dotados de capacidade de replicação e mutação.

Na brincadeira, cada pessoa só transmite a informação para uma única pessoa. Imaginem, então, que ela sopre a frase no ouvido de outras duas pessoas, e a partir daí surjam outras fileiras de crianças, também criando outras bifurcações... É de se esperar que, ao final da brincadeira, cada ponto terminal obtenha uma mensagem totalmente diferente, não só do inicial, como entre si.

Ok? Estão acompanhando?

Agora pensemos que uma determinada tribo de seres humanos, lá nos primórdios da vida Homo sapiens, tenha presenciado uma catástrofe como a que recentemente se abateu sobre New Orleans, ou um tsunami indonésio, um uma tempestade mais prolongada como as frentes frias que chegam ao Rio de Janeiro costumam trazer.

Uma característica da comunicação humana é a tendência ao exagero. Revistas de fofoca sabem explorar esse nosso lado; e até Machado de Assis, grande observador e crítico da sociedade, escreveu sobre isso em "Quem conta um conto, aumenta um ponto". E isso não deve ser de hoje...

Na falta de justificativas climáticas, geológicas, tectônicas, aqueles homens se explicaram como puderam: incluíram os acontecimentos na sua mitologia individual ou comunitária.

"Da próxima vez eu dedico dois carneiros ao Deus da Chuva", pensava um, enquanto outro jurava que era um castigo divino pelo seu adultério.

A dinâmica de populações nos mostra que uma população nunca fica muito tempo no mesmo lugar por muito tempo. Com emigrações mais freqüentes, talvez porque a tempestade tenha escasseado as reservas de alimento da região, cada um foi para um canto, e lá continuou a cultivar suas crenças. Não só isso: misturou-se com a mitologia do povo que o acolheu, e daí surgiu um híbrido.

Por todos os lados se espalhava a história da tempestade, cada vez mais monstruosa, cada vez mais destruidora, e cada vez mais diferente do que se contava nas tribos vizinhas.

Voilà: isso não justifica existirem tantas e tantas versões da mesma história? E, principalmente, não justifica que as religiões tenham preceitos muito parecidos entre si, mas com alguma pequena diferença que as torna inimigas mortais?

Perdi


Perdi o cabelo na quimioterapia
Perdi meus olhos à mesa de um jantar à luz de velas
Perdi os dentes no ringue de luta livre
Perdi o pescoço na Revolução Francesa
Perdi os mamilos devorados por um pombo que pensou que fosse pão
Perdi a barriga numa lipoaspiração
Perdi meus pêlos para nadar 100 metros rasos
Perdi os dedos trabalhando com mecânica
Perdi os pés por causa do diabetes
Perdi os braços e as pernas surfando no Recife
Até a alma perdi na encruzilhada em troca de lições de violão
Perdi meu corpo todo e só sobrou o coração
E agora que o perdi também
Desmaterializei.

Como bolhas de sabão


O trem fluía inexorável, iluminado pelo céu inflamado de outono, sangue correndo em artéria de ferro, e já contava três dias de viagem quando o fantástico se iniciou no primeiro dos oito vagões que cruzavam o meio oeste transportando aço e gente, fato esse inteiramente desacreditado não fosse o testemunho de figuras eminentes como o senhor de rosto emoldurado por grossas suíças, um lorde inglês, talvez, ou o dono de todas as terras até depois do horizonte, que, chamado por um sujeito atarracado de pele chamuscada a carvão, respondeu-lhe, Espere até eu acabar este cigarro, ao que lhe foi redargüido pelo gordo rapaz, seu antípoda, contrariando a autoridade a ele conferida por seu porte fino, Qual cigarro, senhor, porquanto nada via em suas mãos ou na boca, muito surpreendendo o cavalheiro, certo de ter justo naquele instante acendido um cigarro, Eu teria pressa se fosse o senhor, e teria, de fato, se ao menos supusesse que aquele homem não lhe prestava senão um favor, pois se aproximavam a passos largos de descobrir se eram afinal vítimas ou sobreviventes, diferença sutil entre a vida e a morte, O que foi, meu jovem, exasperou-se, e em vez de ser respondido com palavras, sentiu puxada a manga do sobretudo de casimira, com tanta força que só não rasgou porque o tecido era de qualidade, até entender a gravidade da situação, porque olhou pela janela do trem e viu que seu fluxo inexorável os levaria a um precipício sem trilhos, Olhe lá fora, preferiu, contudo, não ter olhado, pois melhor é desconhecer o futuro a sabê-lo irrevogavelmente inexistente, no susto tentou puxar a corda do freio, ou algum modo de avisar ao maquinista, Será que o condutor não viu, perguntou-se, mas corda não havia, enquanto os outros passageiros permaneciam na mais completa ignorância, apenas um ou outro a notar o sumiço do relógio de bolso e a peruca, que vergonha, de repente já não cobria mais a cabeça, óculos, carteira, prendedor de gravata, Onde foi parar, cada um procurava pelo seu perdido, assento, alguém foi ao chão, e o homem de suíças filosofava sobre a razão das coisas e se os dormentes se tinham ido como aqueles objetos desaparecidos, bolhas de sabão evanescentes, antes aqui, agora sabe-se lá onde, no Mundo das Idéias ou entre as dobras do universo, em qualquer lugar menos ali onde estavam havia menos de dois minutos, até que se lembrou do abismo e de quanto tinha a fazer antes de pensar, devia agir, mas como se, ainda que soubesse conter o trem, nem isso estava ao seu alcance, se tudo o que lhe vinha à cabeça era Platão e Jesus Cristo, tão contrários quanto ele e o acarvoado jovem que o chamara e agora, à janela, fazia o sinal da cruz, reservando para si um lugar no céu para os próximos instantes, até que, como se atendendo às suas preces, puf, esvaeceu-se o trem também, embasbacando a todos que nunca tinham visto algo tão grande desaparecer assim por completo.

Desidratação


Oito horas da manhã, o termômetro já marcava 45º à sombra. A previsão do tempo anunciara o dia mais quente dos últimos 50 anos. Pedro poderia estar na praia a uma hora dessas, ou ainda dormindo no seu quarto refrigerado. Que nada, vestia seu terno preto com gravata listrada de amarelo e branco.

“Não é nem higiênico trabalhar num dia desses!”

Às 10h, notou que a manga lhe escapava pelas mãos.
Voltou do almoço e o cinto mal segurava a calça.
Ao final do expediente, pulou da cadeira e tropeçou na barra da camisa.

Cruzou com colegas que estranharam que peças de roupa andassem sozinhas sem cabeça, braços ou pernas. Até que pararam e ali ficaram, encharcadas de suor.

Certidão de nascimento

Nome: Tente Outra Vez
Filiação: Flavio Moutinho Souza, aka Phlavyus, pai solteiro
Local: http://phlavyus.blogspot.com
Hora: 17 horas e 36 minutos, GMT -3 (horário de verão)

E nasce um novo blog. Não é porque morreu um filho que a gente faz outro para botar no lugar, mas se pode muito bem fazer isso com um blog. "Até Quando?" morreu, e sinto dar a notícia a quem ainda não tinha lido o obituário, apesar de o seu esqueleto ainda estar exposto nas páginas do Weblogger. Tente Outra Vez, como o nome antecipa, é uma nova tentativa de fazer parte desse mundo de que talvez eu não devesse ter saído, não fossem as condições desfavoráveis de temperatura e pressão.

Agora repitam comigo: linque-me que eu te linque-you.

Beijos e abraços fora-da-lei!

Tente Outra Vez

Depois do recente insucesso do blog Até Quando?, que pela falta de atualização perdeu boa parte dos antigos freqüentadores, e porque aquele espaço não me traz lá tão boas recordações, resolvi responder a pergunta anterior, Até Quando?, até agora, mesmo que o site ainda estaja ativo, e abrir uma nova proposta, Tente Outra Vez. Bem, estou tentando. Como antes, não sei por quanto tempo. E nem é o objetivo responder isso agora.

Esse espeço será destinado, nas próximas semanas, meses, anos, décadas, tantos quanto minha paciência sobreviver, a receber minhas novas crônicas, uns contos aqui e ali, poesias se eu me dignar a escrevê-las, e críticas a sabe-se o que eu queira criticar.

Tomem seus assentos nessa nave que a contagem regressiva começou.

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...1
...Decolar!